Estudos de Eugen Bleuler e Emil Kraepelin
(psiquiatras alemães / final do séc.XIX, início do XX)
A esquizofrenia é um processo de desagregação mental que pode ser chamado
de “demência precoce”, de “discordância intra-psíquica” ou “dissociação autista
da personalidade”. Trata-se de uma psicose crônica que altera profundamente a
personalidade e que deve ser considerada como uma espécie de um gênero, o das psicoses delirantes crônicas.
Nela, há uma manifestação de uma
tendência profunda a parar de construir seu mundo em comunicação com o outro,
para se perder em um pensamento autista, isto é, em um caos imaginário. O que caracteriza esses distúrbios é sua
evolução autista, a forma autista do delírio.
Esse processo é mais ou menos lento,
progressivo e profundo. Caracteriza-se por uma síndrome deficitária (negativa)
de dissociação e por uma síndrome
secundária (positiva) de produção de
idéias, de sentimentos e de atividade delirante.
Todos os sintomas intelectuais,
afetivos e psicomotores são as manifestações mais intensas e mais
características desse processo regressivo, uma regressão autista e delirante da
personalidade.
A definição clínica corrente de
esquizofrenia é a seguinte: “Um conjunto de distúrbios em que predominam a
discordância, a incoerência ideoverbal, a ambivalência, o autismo, as idéias
delirantes, as alucinações mal-sistematizadas e profundas perturbações afetivas
no sentido do desinteresse e da estranheza dos sentimentos – distúrbios que
tendem a evoluir para um déficit e uma dissociação da personalidade.
A esquizofrenia é a mais freqüente
das psicoses crônicas. Atinge entre 0,36
e 0,85% da população. É uma doença do
adolescente e do adulto jovem – é rara antes dos 15 anos e após os 45-50
anos. 75% dos casos ocorrem entre 15 e
35 anos, segundo Kraepelin e 60%, segundo Bleuler. Acomete os dois sexos e
todas as raças.
Estudos atuais
Fator genético:
O fator genético é indiscutível na série de fatos que provocam uma evolução
do processo esquizofrênico. Há, hoje, uma visão de complementaridade entre o
fator genético e o meio ambiente, sem que um exclua o outro: A informação
hereditária define o campo das reações possíveis, e o meio ambiente, por outro
lado, determina o que será realizado e de que maneira. A alternativa herança/meio
está, hoje em dia, ultrapassada. Em seu lugar vem, em primeiro plano na
genética humana, o problema da interação desses dois fatores.
Os geneticistas se apóiam nos seguintes dados:
1-Taxa de morbidez e risco
hereditário:
Taxa na população geral – 0,85%.
Taxa para irmãos de esquizofrênicos – diferentes pesquisas mostraram
resultados diversos: 10,8% (1939), 14,2% (1946) e 10% (1955), dependendo dos
autores; e também: 10,4% (1972), 8,2% (1972), ambos os pais sadios; um pai doente:
13,8%.
2- Gêmeos:
Dizigóticos – concordância igual a de irmãos não-gêmeos.
Monozigóticos – concordância maior que a de irmãos não-gêmeos.
Estatísticas para monozigóticos:
1928 – 76,5% (esquizofrênicos hospitalizados).
1953 – 68,3% (esquizofrênicos hospitalizados).
1963 – 16% - critérios diagnósticos severos.
1967 – 25 a
38% (monozigóticos) e 4 a
10% (dizigóticos).
1971 – 56%.
1972 – 50%: 70% hospitalizados há mais de um ano; 33% hospitalizados há
menos de um ano.
O fator genético mantém sua importância,
portanto.
Atualmente há uma crítica da noção
de concordância, pois a parte hereditária da esquizofrenia não é estreitamente
específica. Assim, a maioria dos
geneticistas precisa todas as categorias de distúrbios encontrados na população
estudada:
1966 – 42% (esquizofrenia nuclear) para gêmeos verdadeiros; 54% (psicoses
de outra espécie); 79% (incluindo psicopatas e neuróticos).
Esse novo método coloca em evidência
um aspecto importante das considerações sobre a genética. O que é herdado? Mais do que a própria esquizofrenia, talvez
seja uma maior tendência para o distúrbio mental.
3- Crianças adotadas: permite
avaliar o papel do meio educativo.
Crianças de pais esquizofrênicos, adotadas desde o primeiro dia: 16%
(1966), 4% (1968 – aqui, 32% das crianças entravam no “registro
esquizofrênico”: neurose grave ou borderline)
Percentual de esquizofrenia em crianças adotadas: 0,6% em 5.483 crianças
adotadas na Dinamarca.
1968:
Pais biológicos - esquizofrênicos: 8,7%; não-esquizofrênicos: 1,9%.
Resultados muito diferentes.
Pais adotivos – esquizofrênicos:
2,7%; não-esquizofrênicos: 3,6%. Resultados muito próximos.
Conclusão:
A predisposição genética é certa,
mas é muito complexa e intervém de maneira variável, segundo os casos, da mesma
forma que intervém de maneira variável os fatores do meio.
Hoje, introduz-se um terceiro fator,
o tempo, na discussão herança- meio: isto
é, a pesquisa sobre o momento em que
os fatores do meio começarão a atuar sobre os fatores heredo-genéticos.
A força da predisposição hereditária
e seu limite é mostrada pela concordância entre os gêmeos verdadeiros (monozigóticos)
– 40 a
50%, e, no máximo, chega a 75%.
Donde a importância da noção freudiana de série complementar: os fatores exógenos e endógenos são
complementares, pois cada um deles pode ser tanto mais fraco quanto o outro for
mais forte, de modo que um conjunto de casos pode ser classificado numa escala em
que os dois tipos de fatores variam em sentido inverso; só nos dois extremos da
série encontraríamos apenas um dos fatores:
fator endógeno – fixação (constituição hereditária, vivência infantil);
fator exógeno – frustração (trauma).
Se a fixação for forte, pode bastar um trauma mínimo para desencadear a
neurose e vice-versa.
Fator de predisposição biotipológica:
47% - tipo leptossômico – alto, magro, silhueta esbelta, reações lentas e
prolongadas, hipotensão, lentificação das trocas, hipoglicemia etc.
3% - tipo pícnico - baixo e gordo, é mais freqüente na psicose
maníaco-depressiva.
Psicotipo:
Esquizotimia à esquizoidia à esquizofrenia
Numerosos trabalhos que investigam
as lesões do sistema nervoso central específicas da esquizofrenia fracassaram.
Fatores psicossociais:
1- Papel dos acontecimentos:
Muitos acontecimentos desempenham um papel de precipitação: fracasso,
luto, esgotamento, parto, emoções.
A puberdade é um momento chave – os
acontecimentos de certos períodos-chave são os verdadeiramente significativos.
2- Papel dos fatores
sócio-culturais:
Georges Devereux deu uma maior amplitude
à teoria sociológica da esquizofrenia: é a psicose étnica protótipo das sociedades
civilizadas complexas; é uma psicose funcional por inculcação do modelo
esquizóide: isolamento, retraimento, hiper-atividade, ausência de afetividade
na vida sexual, fragmentação das atividades que requerem um engajamento apenas
parcial, apagamento da fronteira entre o real e o imaginário, infantilismo e
despersonalização são os traços mais marcantes de nossa cultura que privilegiam
a evolução para a esquizofrenia.
Para Devereux, nunca ocorre
esquizofrenia nas populações que permaneceram autenticamente primitivas e ela
sempre aparece quando há um violento processo de aculturação e opressão.
3- Papel da família:
O papel da família foi percebido há
muito tempo, devido à freqüência de traços patológicos nos pais dos
esquizofrênicos.
A escola americana, desde 1950-1955,
com Meyer, H. S. Sullivan e K. Lewin, chamou atenção para as relações do esquizofrênico
com seu grupo familiar enquanto “formador” da personalidade esquizofrênica pela
alteração das comunicações intrafamiliares.
a) Bateson e a Escola de Palo Alto (1956):
Teoria do duplo vínculo – double
bind:
1º) Duas ou mais pessoas estão engajadas em uma relação intensa e vital:
vida familiar, enfermidade, cativeiro, amizade, amor, psicoterapia.
2º) É emitida uma mensagem que constitui uma negação da existência do
indivíduo (futuro esquizofrênico), pois esta mensagem contém duas proposições
complementares e contraditórias. Ex.: a
criança é colocada diante da hostilidade de um dos pais, que nega a sua cólera
e exige que a criança também a negue. Se a criança acredita no pai, ela mantém
a relação que necessita, porém nega sua percepção; se ela crê em sua percepção,
ela se mantém no real, porém perde a proteção do pai e da mãe. O sentido da mensagem é, portanto, impreciso. Este é o “duplo vínculo” no qual ela está
aprisionada.
3º) Esta experiência se repete por um longo período. O receptor da mensagem é colocado numa
posição de impossibilidade de sair do quadro fixado pela mensagem. Donde ele
está impedido de reconhecer a contradição ou o paradoxo da mensagem e passa a
ter este duplo vínculo como modelo de
comunicação.
Interpretação de Bateson:
- se o sujeito crê que para os outros a situação é lógica e coerente, ele
busca interpretação – é o delírio
paranóide.
- se ele escolhe obedecer ao acaso (a todas as injunções ou a algumas
delas) de maneira liberal – é a hebefrenia.
- se ele escolhe bloquear os canais de comunicação e defender-se contra
qualquer percepção – é a catatonia.
A crítica à teoria do duplo vínculo
é de que a situação é muito comum e não se acha reservada à psicose
esquizofrência.
b) Os pais do esquizofrênico segundo o grupo de Lidz:
A partir de 1957, Th. e R. Lidz
pesquisaram a origem da psicose em uma microssociologia do grupo familiar.
Segundo eles, numa família normal:
1º) os papéis familiares devem ser precisos e fixos, compreendidos e
aceitos por todos.
2º) devem permitir a confiança, a comunicação e a estima.
3º) as fronteiras entre as gerações e entre os sexos devem estar bem
definidas. O papel paterno deve ser
assumido para permitir uma identificação correta das crianças.
4º) os papéis devem ser fonte de amor e de bom entendimento.
O transtorno patogênico:
A família do esquizofrênico não permite à criança sua identificação,
apresentando-lhe modelos contraditórios que provocam pensamentos paralógicos.
A divisão do casal (marital schism), devido a distúrbios da
comunicação entre os pais, a incapacidade para cada um de viver suas emoções e
de suportar as do outro provoca ou uma dominação viril, com a exclusão da
mulher, ou uma dominação feminina, que exclui o marido. O desvio do casal (marital skew) se caracteriza pela
presença, em um dos parceiros, de traços francamente patológicos.
c) A “posição insustentável” de Laing e Esterson:
O grupo inglês ampliou o debate da família para o campo do social. A esquizofenia é vista como uma tentativa de
liberação em relação à opressão, à solidão e ao desespero com que a família, os
médicos, os hospitais e os psiquiatras cercam os psicóticos.
A originalidade do tratamento
consiste em recolocar o doente em seu meio global, pois a sociedade intervém no
fenômeno da rejeição do qual o doente e sua família são as vítimas.
Ronald Laing reinterpreta o “duplo
vínculo” de Bateson como uma posição insustentável que impõe ao “dito
esquizofrênico” uma estratégia particular para suportar sua inação: “Ele não
pode fazer um gesto ou permanecer imóvel sem ser atormentado por pressões e
exigências contraditórias”.
David Cooper diz que a família
“inventa a doença”. Em razão do duplo
impasse que o conduz à dupla ligação, o indivíduo considerado doente responde à
violência com a violência que ele sofre – é a loucura que vai suscitar uma
outra violência – a psiquiatria.
A experiência psicótica é
considerada uma renovação, o momento em que o indivíduo atinge sua verdade
profunda.
O início - a esquizofrenia incipiente:
O início é bastante polimorfo e seus sinais patognomônicos. Existem 4 grupos de formas de início da
doença:
1. Formas progressivas e insidiosas: conduzem lentamente o doente da
predisposição caracterial ou neurótica à
esquizofrenia.
2. Início agudo: início com uma grande crise delirante ou catatônica.
3. Forma cíclica: sobre um fundo esquizóide, aparecem intermitentemente
grandes episódios psicóticos.
4. Forma monossintomática: início por meio do aparecimento de sintomas
isolados.
Estudo detalhado
de cada uma dessas formas de início:
1. Caráter pré-esquizofrênico e formas progressivas de início:
a) Pré-esquizofrenia: organização
da personalidade que apresenta traços que se tornarão posteriormente
esquizofrênicos. Dois tipos de caráter
pré-esquizofrênico podem ser distinguidos: esquizoidia evolutiva e neuroses
pré-esquizofrênicas.
Esquizoidia evolutiva – A esquizoidia é uma acentuação do caráter esquizóide apresentando as
seguintes características:
- debilitação da atividade: “perda de rapidez” do aluno que era bom,
desinteresse, gazetas, abandono do trabalho, trocas repetidas de emprego.
- modificação da afetividade: retraimento sobre si mesmo, indiferença e
desatenção em relação às alegrias e tristezas (atimormia de Dide e Guiraud), enfado, mau humor, atos, idéias e
sentimentos paradoxais (interesses súbitos por filosofia, teatro, política e
ambientes excêntricos).
- hostilidade contra a família: é constante e revela um conflito de
tendências (fixação-aversão) que antecipa a ambivalência do período de estado. Apragmatismo
sexual como saída para os diferentes conflitos sexuais.
- modificações do caráter: chocam o ambiente; tendência ao isolamento e à
fantasia é aumentada. Atitudes de
selvageria e de originalidade caricatural.
Mudança súbita e radical de comportamento: indivíduo taciturno e passivo
que passa a ser agressivo e a se opor a tudo e a todos.
Neurose pré-psicótica ou
pré-esquizofrênica: a conduta pré-esquizofrênica pode se interromper
durante muito tempo na fase anterior (durante toda a infância ou
adolescência). Pode ocorrer que a
esquizofrenia tome a aparência de uma neurose semelhante à histeria e que
evolui por surtos. Claude falou nesses casos de esquizose e de crises
esquizomaníacas. A
pré-esquizofrenia com um quadro de neurose pré-psicótica pode ter uma forma
histérica, obsessiva ou de neurose de angústia.
A forma obsessiva é menos freqüente, pois a neurose obsessiva é uma
forma de defesa tão coerente e sólida que se revela eficaz contra a
desagregação do ego. Quando o processo
esquizofrênico invade a estrutura de defesa obsessiva, esta é cortada por
experiências delirantes de influência e de estranheza. O comportamento hesita
entre a conduta sistemática e ritualizada e a
conduta autista e delirante.
A neurose de angústia raramente
evolui para a esquizofrenia, e isto ocorre nos casos em que a angústia é
acompanhada de uma forte carga de hipocondria.
Na histeria, vemos a passagem da
série neurótica (histeria de conversão, crises de excitação) para a série
discordante (impulsividade, catatonia, autismo).
Outro distúrbio do caráter
pré-esquizofrêncio é a heboidofrenia de Kahlbaum (1885): indivíduos jovens,
comportamento de oposição à família e à sociedade que os levam a ser
considerados como psicopatas perversos.
Trata-se de uma impulsividade altamente patológica e maligna que caminha
no sentido da desagregação, pois apresenta distúrbios do curso do pensamento,
fases depressivas com estupor, fases de excitação com experiências delirantes.
b) Invasão progressiva do delírio:
O delírio é um sinal de alarme da psicose e indica a fissuração do ego,
que às vezes aparece de forma muito tênue em algumas perturbações no contato
com o psiquiatra (tempo de latência antes da resposta, atitude de rejeição, de
desconfiança, de ocultação, de distração, de fantasia etc).
Em geral, as idéias delirantes surgem sem razão, sem motivo ou condição,
e a síndrome de automatismo mental se instala com seus fenômenos alucinatórios,
principalmente o eco do pensamento e o roubo de pensamento.
Em geral, o delírio surge com temas hipocondríacos, de influência, de
envenenamento, de possessão diabólica ou erótica, às vezes temas megalomaníacos
que surpreendem as pessoas a volta. As
idéias delirantes podem surgir sendo expressas com dificuldade, em surdina ou
de modo repentino.
Às vezes, as alucinações são reveladas de forma indireta através da
atividade de escuta do paciente, de silêncios e de acessos de cólera. Às vezes, o delírio se manifesta através do
comportamento bizarro.
2. Início por estados psicóticos agudos:
Ocorrem entre 30 e 50% dos casos.
a) crises delirantes e alucinatórias agudas – bouffée delirante: alucinações, automatismo mental (eco e roubo do
pensamento, síndrome de influência), inconsciência da doença, dogmatismo das
crenças delirantes.
Não é correto se falar de
esquizofrenia aguda porque deve-se deixar o termo para o processo
esquizofrênico enquanto tal.
b) excitação maníaca – é difícil, às vezes, distinguir a mania franca
aguda (fuga de idéias, expansividade) da excitação maníaca que marca o início
de uma evolução esquizofrênica (discordância, fenômenos catatônicos,
introversão etc).
c) estados depressivos – angústia com culpa sexual, alucinações, idéias
de suicídio, ambivalência. Difícil
distinguir estes inícios da esquizofrenia com os quadros de melancolia franca.
d) estados confuso-oníricos – são tipicamente reações exógenas ou
psicoses tóxico-infeccciosas e, em geral, não apresentam evolução
esquizofrênica.
3- Formas cíclicas de início:
São as formas de início por crises progressivas. Sobre um fundo de caráter esquizóide ou
esquizo-neurótico aparecem “surtos agudos”, geralmente nos 2 ou 3 primeiros
anos de evolução esquizofrênica.
4- Formas monossintomáticas:
Exemplos: “crimes sem motivos” dos esquizofrênicos – matam pai, mãe ou um
desconhecido sem uma explicação para o ato; comportamentos impulsivos (agressões
absurdas, fugas súbitas e inexplicadas, enclausuramento, tentativa de suicídio,
auto-castração, impulsos sexuais).
O processo esquizofrênico:
Será descrita a forma
paranóide. Dura anos e, geralmente, a
maior parte da vida.
- Traços essenciais da “discordância” (caráter, ao mesmo tempo,
anárquico, incoerente e absurdo dos sintomas) são encontrados em todas as
formas da doença e ao longo de toda ela.
- Ambivalência – experiência de dois sentimentos, duas expressões, dois
atos contraditórios, simultaneamente ou sucessivamente: desejo/temor,
amor/ódio, afirmação/negação.
- Bizarria – resultado da distorção da vida psíquica, cuja perda de
unidade leva a um comportamento estranho ou bizarro.
- Impenetrabilidade – tom enigmático, hermetismo das colocações e das
condutas.
- Isolamento – retraimento do paciente para o interior de si mesmo.
1º - Desagregação
da vida psíquica. A síndrome de
dissociação:
Os fenômenos psíquicos perdem sua coesão interna.
a) Distúrbios do curso do pensamento e do campo da consciência:
A discordância mais impressionante na esquizofrenia é a que existe entre
uma inteligência potencial, conservada, e o uso dela, profundamente perturbado.
Debilitação do pensamento: perda de coesão, de harmonia, de
eficiência. Pensamento embrulhado,
desordenado, às vezes lentificado.
Perseveração: estagnação, ruminação mental de séries intermináveis de
palavras e idéias.
Produção ideica caótica e mal dirigida, com frases absurdas, evocações
repentinas, interferências e extravagâncias.
Um dos fenômenos mais marcantes: bloqueio - o paciente se interrompe
bruscamente, o pensamento fica em suspenso e depois volta ao mesmo assunto ou
para outro que aparece bruscamente.
b) Distúrbios de linguagem:
- Conversação – impossível: mutismo,
semi-mutismo, mutismo interrompido por impulsos verbais (injúrias, blasfêmias,
obscenidades), pararrespostas, a conversação é um monólogo sem troca com o interlocutor
do qual o doente não se dá conta. É um
“devaneio verbal”.
- Fonética – às vezes, a própria estrutura das palavras é atingida.
- Alterações da semântica – o sentido do material verbal está alterado em
relação à linguagem comum. O
esquizofrênico fabrica neologismos e também emprega palavras existentes com um
novo sentido. A incoerência sintática é
freqüente, chegando a ser uma “salada de palavras” – galimatias (esquizofonia), linguagem extremamente hermética
encontrada nas fases pré-terminais da desagregação esquizofrênica.
c) Alterações do sistema lógico:
Pensamento arcaico e irreal, diferente do pensamento demencial (que
apresenta uma debilitação global e basal progressiva). O distúrbio dos valores lógicos é mais sutil.
O pensamento arcaico ou irreal
(Bleuler) é um pensamento regressivo governado pelas exigências afetivas e pela
necessidade de modificar o sistema da realidade, de escapar às leis das
categorias lógicas do entendimento (causalidade, identidade, contradição).
Arcaico – impermeabilidade à
experiência.
Irreal - paralógico, ao mesmo
tempo simbólico e sincrético (um triângulo é identificado com uma hóstia, por
causa da Santíssima Trindade).
d) Desagregação da vida afetiva:
Kraepelin – demência afetiva = combinação de distúrbios intelectuais e
afetivos.
Há, no esquizofrênico, uma tentativa de exclusão sistemática da vida
afetiva, com a ocorrência de paradoxos devidos
ao fracasso dessa resistência.
Manifestações afetivas
discordantes - confrontos contraditórios de tendências.
Impulsos - bruscas mudanças de comportamento.
Características principais:
Relações afetivas estão inteiramente alteradas, especialmente no círculo
familiar. Ex: paciente que não pode ser afastar da mãe, mas só lhe dirige
palavras de ódio.
Manifestações emocionais “imotivadas” – risos e choros imotivados, isto
é, motivados pelo conteúdo latente e pela simbolização das situações: o negro é
o diabo; o vermelho é o fogo; sangue é o amor; a criança é o pecado etc. “Risos
loucos” dos esquizofrênicos.
Condutas alimentares – regressão - sucção do polegar, da mama, da
mamadeira; rejeição de alimentos; bulimias.
Condutas excrementícias – perturbadas, chegando até à manipulação dos
excrementos, coprofagia.
Conduta sexual alterada – contemplação (sinal do espelho), carícias no
próprio corpo, masturbações desenfreadas.
E antiteticamente: atentados contra o próprio corpo, mutilações,
tentativas de castração; auto-queimaduras com cigarros; tentativa de arrancar
os olhos.
Todas essas condutas afetivas têm
como finalidade a de negar a afetividade.
Certos autores falam de negativismo ou contrarismo do esquizofrênico (oposição,
teimosia, rigidez, ironia, desdém...).
Há uma “perda de contato vital com a realidade” (Minkowski, 1927), uma
discordância entre o indivíduo e o mundo externo, uma espécie de “retiro interior”.
e) Discordância psicomotora.
Comportamento catatônico:
A ambivalência tem como efeitos:
- uma oscilação da iniciativa
motora entre a execução e a suspensão do movimento.
- na mímica, ela leva a
expressões paradoxais (sorrisos discordantes).
- gestos são lentificados,
apenas esboçados ou mecânicos, como marionetes. Podem revelar desajeitamento,
afetação, barroquismo (maneirismo).
- impulsos homicidas, raptus
esquizofrênico, por passagem ao ato de certas tendências pulsionais que a
esquizofrenia manifesta em sua forma mais primitiva.
- condutas negativistas: pequenos
sinais de negativismo: rejeição de aperto de mão, rigidez à aproximação de
qualquer pessoas, evitar encarar o outro; crises de mutismo; fuga e
enclausuramento; estereotipias:
condutas repetitivas de atitudes, gestos ou palavras que podem exprimir um
fragmento de delírio ou constituir uma espécie de ritualização vazia, de
gesticulação automática e vagamente simbólica.
Por detrás de todos esses comportamentos paroxísticos, existe um comportamento
de fundo, com distúrbios catatônicos, que levam a uma espécie de mumificação da
existência:
- inércia.
- perda da iniciativa motora.
- pobreza do movimento.
- rigidez.
2º. O delírio
paranóide, o autismo:
A estrutura positiva da existência esquizofrênica.
a) A vivência delirante:
- experiência de estranheza – é uma experiência angustiante com o
sentimento de uma catástrofe iminente. Ela é caótica e se compõe de ilusões (alterações
perceptivas), interpretações (observam-me), intuições (adivinham o que eu
penso, roubam meu pensamento), alucinações (me insultam e ouço vozes que repetem
meu pensamento). Ocorrem uma série de
alterações da experiência corporal.
- experiência de despersonalização – os doentes se queixam de estarem
transformados ou metamorfoseados. É
freqüente.
- experiência de influência – comunicações, interrupções e comandos do
pensamento. Fluidos, ondas, radares
captam e coagem o pensamento. Esta
experiência está associada às alucinações auditivo-verbais.
b) A elaboração delirante secundária. O delírio autista:
Trata-se de um mundo fechado a
qualquer comunicação. O delírio constrói
um mundo hermético, um mundo próprio.
Tem as seguintes características:
- é expresso através de uma linguagem abstrata e simbólica.
- é impossível penetrá-lo e reconstituí-lo. Só podemos notar sua incoerência.
- formas mágicas de pensamento e conhecimento.
- crenças e idéias que formam uma concepção hermética do mundo.
- caráter caótico, fragmentário e desconexo: “É um delírio sem progressos
discursivos, um delírio que não caminha, que permanece cristalizado e estereotipado
em seus fragmentos esparsos” (H. Ey).
- a evolução ruma para um empobrecimento progressivo de suas formulações.
c) O autismo e a pessoa do
esquizofrênico:
Os primeiros estudos de Bleuler
apresentaram o autismo como um sintoma fundamental ou uma atitude particular do
esquizofrênico: introversão, perda de contato com a realidade, oposição ao
mundo externo. Mas o autismo transforma-se na própria característica da psicose
esquizofrênica.
Trata-se da constituição de um mundo
próprio, fechado sobre si mesmo, um mundo de alienação, cujo núcleo é
constituído pelo delírio propriamente autista – o delírio alucinatório noético – afetivo (vozes, fragmentação do corpo etc).
Formas clínicas
da esquizofrenia (além da paranóide acima descrita)
1. Hebefrenia – apatia
progressiva com indiferença.
Comportamento pueril e caprichoso.
Regressão maciça e rápida. Foi a
primeira a ser descrita por Morel (1860).
2. Hebefrenocatatonia –
Kahlbaum (1874) a descreveu.
Predominância dos distúrbios psicomotores. Perda de iniciativa motora, tensão muscular,
fenômenos paracinéticos (estereotipias, impulsos, maneirismos),
negativismo. Catalepsia: rigidez e
fixação das atitudes, cada postura tende a se manter.
3. Simples – é uma transição
lenta e insensível do caráter esquizóide (isolamento, introversão, bizarria, rigidez
etc). Apatia ou inércia invencíveis.
Fonte: http://www.macjorge.pro.br/pdfs/aulas/psicopatologia_especial/Esquizofrenia.pdf
(com modificações e revisões)
Fonte: http://www.macjorge.pro.br/pdfs/aulas/psicopatologia_especial/Esquizofrenia.pdf
(com modificações e revisões)
2 comentários:
Interessantíssimo. Adorei, beijos!
Obrigada, tia!! que bom que gostou!!! bjão..
Postar um comentário