"A Neurolingüística é, sem dúvida, um dos
campos mais recentes da Lingüística. Para se ter uma idéia, no Brasil, ela
aparece como disciplina de curso de Graduação (Letras e Lingüística) e também
como área de pesquisa na Pós-graduação apenas na Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP) - e isso a partir dos anos 1980. Contudo, há gente
dedicando-se cada vez mais à investigação na área de Neurolingüística, seja
desenvolvendo pesquisas em nível de pós-graduação em outras universidades, seja
procurando estimular a produção de conhecimento na área através do
aprimoramento de métodos diagnósticos e terapêuticos que procuram compreender
melhor o funcionamento da cognição humana.
Parece óbvio, levando em
conta o hibridismo da palavra, que Neurolingüística diga respeito às relações
entre linguagem, cérebro e cognição, e que acione especialmente dois campos do
conhecimento humano para explicá-las, as Neurociências e a Lingüística. Isso
realmente seria um truísmo se nós não tivéssemos ainda tantos problemas para
dar conta dos complexos processos (biológicos, lingüísticos, sócio-culturais,
afetivos, etc.) que constituem essas relações, em boa parte ainda
não devidamente elucidados.
Tanto as definições quanto as
descrições do campo de atuação da Neurolingüística que encontramos espalhadas
pela literatura produzida em diferentes campos (como o da Lingüística e o das
Neurociências) revelam que as fronteiras que delimitam seu objeto são algo
movediças.
Segundo Caplan (1987), por exemplo, a Neurolingüística
é o estudo das relações entre cérebro e linguagem, com enfoque no campo das
patologias cerebrais, cuja investigação relaciona determinadas estruturas do
cérebro com distúrbios ou aspectos específicos da linguagem. Já para Menn &
Obler (1990), a Neurolingüística tem por objetivo teorizar sobre o “como” a
linguagem é processada no cérebro.
Há quem atribua,
como Bouton (1984) ou Lecours & Lhermitte (1979) à publicação, em 1939, do
livro Le Syndrome de Désintégration Phonétique, de Alajouanine, Ombredane
(neurologistas) e Durand (foneticista) o início da Neurolingüística. Mas há
também os que, igualmente de forma tradicional, consideram a Neurolingüística
um ramo (Luria, 1981, 1976) ou um subconjunto (Hécaen, 1972) da
Neuropsicologia, o que significa defini-la como o campo de estudo das
perturbações verbais decorrentes de lesões cerebrais. Essa definição, contudo,
é apenas uma pálida caracterização de suas potencialidades teóricas e
metodológicas.
A Neurolingüística grosso modo caracteriza
um campo de investigação que se interessa de uma maneira geral pela cognição
humana (o que inclui seus aspectos sócio-culturais, neuropsicológicos,
afetivos, biológicos, etc.), e de maneira mais específica pela
linguagem e por processos afeitos a ela.
A seguir elencamos, em linhas gerais, o que tem
caracterizado o campo de interesses da Neurolingüística, esse domínio da
Lingüística que apresenta uma forte vocação interdisciplinar:
1. estudo do processamento normal e patológico da
linguagem a partir de construtos e modelos elaborados no campo da Lingüística,
da Neuropsicologia, da Psicolingüística, da Psicologia Cognitiva. A este item
vincula-se ainda o interesse por temas neurolingüísticos tradicionais como
neuro-psicofisiologia da linguagem, semiologia das chamadas patologias de
linguagem etc.;
2. estudo da repercussão dos estados patológicos no funcionamento da
linguagem, bem como das relações entre o normal e o patológico nas práticas
lingüístico-discursivas;
3. estudo de processos de significação (verbal e não verbal) levados em
conta por sujeitos com afasia, demência, surdez, etc.;
4. discussão de aspectos teóricos-metodológicos relacionados aos
procedimentos avaliativos e condutas terapêuticas destinadas ao contexto das
patologias de linguagem;
5. estudo dos processos que inscrevem linguagem e cognição num quadro
relacional."
(Extraído de “Neurolingüística”, de
Edwiges Morato, capítulo publicado no livro “Introdução à Lingüística:
domínios e fronteiras”, da editora Cortez, organizado por Fernanda Mussalim
& Anna Christina Bentes, 2001)
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