quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Discurso, gêneros e identidade



Como o discurso encontra-se na exterioridade, no seio da vida social, o analista/estudioso necessita romper as estruturas linguísticas para chegar a ele. É preciso sair do especificamente linguístico, dirigir-se a outros espaços, para procurar descobrir, descortinar, o que está entre a língua e a fala (FERNANDES, 2005).

Para a Análise do Discurso, o discurso é uma prática, uma ação do sujeito sobre o mundo. Por isso, sua aparição deve ser contextualizada como um acontecimento, pois funda uma interpretação e constrói uma vontade de verdade. Quando pronunciamos um discurso agimos sobre o mundo, marcamos uma posição - ora selecionando sentidos, ora excluindo-os no processo interlocutório.




Muitos analistas do discurso se satisfazem com uma definição “minimalista” ou “simplista” da análise do discurso, considerada simplesmente como o estudo de textos em contexto, de eventos comunicativos.

Atualmente, e de acordo com Dominique Maingueneau, a noção de “discurso” tem sido mais problematizada do que a de “análise do discurso”. Esta supersimplificação pode ser explicada da seguinte forma: no início, os estudiosos que trabalhavam sobre o discurso tiveram que estabelecer de pronto uma nova área conceitual e metodológica contrária a uma concepção estreita de linguística ou de semântica e em oposição às abordagens tradicionais do texto. Sua atenção estava muito mais voltada para o estabelecimento de marcos de oposição com relação a outras abordagens do que com a definição de sua própria disciplina.
Agora que a legitimidade dos estudos do discurso está estabelecida para o conjunto das pessoas que no mundo inteiro trabalham na área, Maingueneau diz que devemos refletir um pouco mais sobre as fronteiras da “análise do discurso”.

Dominique Maingueneau (1950) é um linguista e professor da Universidade de Paris XII – Créteil Val de Marne, onde pesquisa fenômenos da enunciação linguística e, sobretudo, a análise do discurso, no Centre d'étude des discours, images, textes, écrits, communications (CÉDITÉC). Também é membro do Institut Universitaire de France.

Sua pesquisa, iniciada nos anos 1970, concentra-se na Linguística e Análise do discurso franceses. O autor trata deste último tema tomando como ponto de partida a inseparabilidade do texto e do quadro social de sua produção e circulação. Ainda afirma não haver um plano do discurso que seja central, insistindo que tudo o que o constitui deriva dos mesmos fundamentos.

Assim, com ampla bibliografia publicada, o trabalho de Maingueneau associa um olhar pragmático sobre o discurso com teorias da enunciação linguística, conferindo importante contribuição para a teoria literária e a análise do discurso, pois percorre e indica os diferentes caminhos do texto e seu contexto, além de teorizar sobre as formas de interpretação.

Como proeminente estudioso no campo do Discurso, há anos ele vem trabalhando na área de "discursos de autoconstituição", que legitimam a produção da obra discursiva. Relaciona as teorias linguísticas de enunciação e a arqueologia de Michel Foucault.

O autor publicou diversos livros nesta última área de estudo, desde Initiation aux méthodes de l'analyse du discours (Paris, Hachette, 1976), destacando-se a obra Análise de textos de comunicação (São Paulo, Cortez, 2001), de grande utilização nas universidades do país, com inúmeras aplicações das leis do discurso da comunicação social. Sua grande obra, no entanto, é Novas Tendências da Análise do Discurso (Paris, Hachette, 1987). Além disso, é co-editor do Dicionário de Análise do Discurso (São Paulo, Contexto, 2004).

Fluente em língua portuguesa, Maingueneau já esteve diversas vezes no Brasil, onde ministrou palestras sobre Análise do Discurso em algumas universidades.

De acordo com o seu trabalho Analisando Discursos Constituintes, alguns consideram que demarcar o território da análise do discurso é uma questão absolutamente sem interesse e que os estudiosos especialistas na área devem trabalhar sem qualquer restrição; para eles, “análise do discurso” é um mero rótulo para uma vasta gama de estudos do texto; não sendo necessário que ela receba um conteúdo definido. No entanto, ele está convencido que trabalhar sem nenhum ponto de referência é muito difícil. Mesmo aqueles que dizem não se preocupar com as fronteiras de suas pesquisas e que se recusam a se inscrever em uma dada disciplina submetem-se, na verdade, a paradigmas dos quais eles não têm consciência.
Ao invés de questionar sobre se podem ser traçados limites para a “análise do  discurso”, alguns analistas céticos poderiam se perguntar se ela deve fazê-lo: se esclarecemos esse ponto obscuro, não corremos o risco de destruir o que pretendemos clarificar – o risco da descoberta de que não é nada firme o terreno do que se chama de “análise do discurso”? É fato que muitos consideram a análise do discurso uma atividade insignificante, que flutua entre a sofisticação inútil e a confusão, misturando um incontrolável método de análise linguística com abordagens psicológicas e sociológicas de segunda-mão.

Não se pode negar que, atualmente, qualquer estudo de texto pode ser chamado de “análise do discurso”. Talvez tal situação resulte de uma inércia das instituições acadêmicas: como a pesquisa contemporânea em ciências sociais não pode ser enquadrada nos limites das disciplinas tradicionais, muitos dizem que fazem análise do discurso a fim de legitimar estudos que podem ser vistos, por um ponto de vista tradicional, como “marginais”. Mas, se olharmos à longo prazo, a análise do discurso pode ser desvalorizada por essa ambiguidade. Como consequência, muitas definições de “análise do discurso” são muito tolerantes ou, ao contrário, extremamente restritivas.

O autor, portanto, pensa que seria melhor não conceber a relação entre “discurso” e “análise do discurso” como análoga à relação entre um objeto empírico e a disciplina que estuda esse objeto. Admitir que um terreno empírico comumente nomeado “discurso”, interpretado como uma atividade verbal em contexto, existe é postular que a análise desse discurso é a disciplina que se encarrega de tal terreno. Mas pode-se questionar se esse discurso deve ser analisado por uma única disciplina. Por que não considerar que o discurso permite a construção de vários objetos, correspondendo a vários pontos de vista, várias abordagens? Somente Deus poderia apreender o discurso de um único ponto de vista. Então, para Maingueneau, parece necessário introduzir uma distinção entre linguística do discurso e análise do discurso. Várias disciplinas (retórica, sociolinguística, análise do discurso, análise da conversação, etc.) pretendem-se estudos do discurso; como um todo elas constituem a “linguística do discurso”.

De acordo com esse ponto de vista, a análise do discurso é apenas uma das disciplinas pertencentes à linguística do discurso. Cada uma dessas disciplinas é regida por seu interesse específico pelo discurso. O interesse específico da análise do discurso é apreender o discurso enquanto articulação entre texto e lugares sociais. Consequentemente, seu objeto não é a organização textual nem a situação comunicativa, mas o que os articula através de um gênero de discurso. A noção de “lugar social” não deve ser considerada de um ponto de vista literal: esse “lugar” pode ser uma posição em um campo simbólico (político, religioso, etc.).

A análise do discurso, evidentemente, concede um papel central aos gêneros do discurso. Tais gêneros não são considerados como tipos de textos, de modo taxonômico, mas como dispositivos de comunicação, a um só tempo sociais e linguísticos, em uma palavra: discursivos. Por esse ponto de vista, uma dissertação, um programa de TV, uma conversa ou uma leitura são gêneros, ao contrário de categorias como descrição, polêmica, etc., que, na verdade, atravessam múltiplos gêneros. Uma vez que o objetivo da análise do discurso são os dispositivos de comunicação – os gêneros – os quais são ao mesmo tempo textuais e linguísticos, ela se demarca da linguística textual e do estudo das representações sociais.

Considerado como uma “instituição discursiva” (Maingueneau, 1991), um gênero implica papéis e contratos tácitos entre interlocutores, meios específicos, localizações pertinentes no tempo e no espaço, organizações textuais prototípicas, etc.

Para Bakhtin, os gêneros do discurso resultam em formas-padrão “relativamente estáveis” de um enunciado, determinadas sócio-historicamente. O autor refere que só nos comunicamos, falamos e escrevemos, através de gêneros do discurso.   Os sujeitos têm um infindável repertório de gêneros e, muitas vezes, nem se dão conta disso. Até na conversa mais informal, o discurso é moldado pelo gênero em uso. Tais gêneros nos são dados, conforme Bakhtin, “quase da mesma forma com que nos é nos é dada a língua materna, a qual dominamos livremente até começarmos o estudo da gramática”.

Para Bakhtin, cada ato de enunciação é composto por diversas “vozes”. Assim, cada ato de fala é repleto de assimilações e reestruturações destas diversas vozes, ou seja, cada discurso é composto de vários discursos. Isto é o que o autor denomina de polifonia. Estas vozes “dialogam” dentro do discurso, não se trata apenas de uma retomada. Este diálogo polifônico é construído histórica e socialmente. A partir deste diálogo se dá a construção da consciência individual do falante. O autor vai mais adiante referindo que só pensamos graças a   um   contato   permanente   com   os   pensamentos   alheios,   pensamento   este   expresso   no enunciado. Dessa forma, a consciência individual é resultante de um diálogo interconsciências.

Ao entrar em contato com a Análise do Discurso, percebe-se que todos os seus conceitos possuem alguma característica em comum e de alguma forma estão interligados, participando da constituição do processo de enunciação, da construção do discurso. Vale relembrar aqui alguns das partes constitutivas do discurso: Ideologia, Formação Discursiva e Formação Ideológica, sentido, condições de produção, sujeito, etc., sendo que cada um deles vai se constituindo durante o processo de enunciação.

O conhecimento sobre os conceitos da Análise do Discurso é muito importante e muito nos ajuda também na compreensão dos discursos, dos textos, levando-se em consideração todos os aspectos que foram utilizados na sua constituição, tornando-nos capazes de reconhecê-los no discurso e com isso também nos leva a produzir discursos muito bem elaborados, colocando todos os aspectos que constituem um discurso no nosso próprio discurso.

O discurso não é fruto de um sujeito que pensa e sabe o que quer. É o discurso que determina o que o sujeito deve falar, é ele que estipula as modalidades enunciativas. Logo, o sujeito não preexiste ao discurso, ele é uma construção no discurso, sendo este um feixe de relações que irá determinar o que dizer quando e de que modo.

Somos acostumados a ligar um indivíduo a uma identidade, a nomear para familiarizar, generalizar para domesticar. Sem darmos conta, somos consequência da atuação de poderes múltiplos (família, escola, patronato etc.) que agem sobre nossas vidas para forjar representações de subjetividades e impor formas de individualidades.

Foi o que Foucault chamou de Técnicas de Si, ou seja, procedimentos que fixam, mantêm e transformam a identidade, em função de determinados fins.

Mas todo processo de subjetivação é falho, é lacunar, consequentemente, abre brechas para resistências. Pois não existem protótipos humanos biologicamente determinados a serem iguais uns aos outros. A subjetivação é instrumentalizada pela linguagem que, como já vimos, é opaca, não consegue nomear nada, sem que haja falha.

A identidade do sujeito é um efeito do poder. “A identidade, assim como o sujeito, não é fixa, ela está sempre em produção, encontra-se em um processo ininterrupto de construção e é caracterizada por mutações” (FERNANDES, 2005).

Impossível é moldar uma forma que defina o sujeito sem essa relação que trava com o outro. Fernandes afirma que “compreender o sujeito discursivo requer compreender quais são as vozes sociais que se fazem presente em sua voz”.

O poder é quem administra os saberes sobre o indivíduo de modo a traçar-lhes um perfil ideal e condicioná-los a serem passivos politicamente e ativos economicamente. A formação de um estilo de vida igual para todos os indivíduos de uma comunidade é uma tática para melhor controlá-los, de modo a fazê-los responder de forma previsível aos comandos emanados do poder. É isso que a Análise do Discurso chama de processo de subjetivação - a verdade que o poder cria sobre o sujeito para regulá-lo.

Fontes:

BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.261-306.

FERNANDES, Cleudemar. Análise do Discurso: reflexões introdutórias. Goiânia: Trilhas Urbanas: 2005.

FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. ed. 5°. São Paulo: Loyola, 1996.

MAINGUENEAU, D. Analisando discursos constituintes. (tradução Nelson Barros da Costa). Revista do GELNE. v. 2, n. 2, 2000.


______. L’Analyse du discours. Paris: Hachette, 1991.

PÊCHEUX, M. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. (Trad. Eni Orlandi et. al.). Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1988.

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Insanamente louca por tudo que envolve a relação linguagem-cérebro-mente.... Apaixonada esposa de Rafael, estudante do último ano de Medicina e futuro Médico da Família.. Residente em Cuiabá-MT, desde 2007, onde conclui minha graduação em Letras/Inglês, na UFMT, em 2011.. Orgulhosa filha de Marineide Dan Ribeiro, mais conhecida como Márcia ou Grega.. Futura mestranda da UNICAMP/Campinas-SP...

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