As funções psicológicas
superiores (FPS), tais como a atenção, memória, imaginação, pensamento e
linguagem são organizadas em sistemas funcionais, cuja finalidade é organizar
adequadamente a vida mental de um indivíduo em seu meio.
É sobre essas questões, que
Vygotsky disserta em seus trabalhos, que serão expostos nesse post.
Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934) fez seus
estudos na Universidade de Moscou/Rússia, para tornar-se professor de
literatura. O objetivo de suas pesquisas iniciais foi a criação artística e foi
só a partir de 1924 que sua carreira mudou drasticamente, passando a dedicar-se
à psicologia evolutiva, educação e psicopatologia. A partir daí ele
concentrou-se nessas áreas e produziu obras em ritmo intenso até sua morte
prematura em 1934, devido à tuberculose.
Vygotsky estava preocupado em entender a
relação entre as ideias que as pessoas desenvolvem e o que dizem ou escrevem. Seus
estudos não foram feitos em uma mesa de escritório, mas indo a campo,
pesquisando, fazendo experiências. Ele extraiu conclusões como: “A estrutura da
língua que uma pessoa fala influencia a maneira com que esta pessoa percebe o
universo ...”
Um primeiro ponto abordado dentro
dos trabalhos de Vygotsky foi a relação entre pensamento e linguagem. No
momento histórico em que Vygotsky aborda esse ponto, a unicidade da consciência
é vista pela Psicologia como um invariante. As formas como as funções psíquicas
se relacionam entre si não mudam e, por consequência, podemos estudar cada um
dos componentes da consciência de forma isolada. Esse é o primeiro ponto onde
Vygotsky se insurge contra as teorias vigentes no seu tempo apontando para o
fato de que as funções da mente não são invariantes e mudam. Logo, há que se ressaltar
o caráter de interdependência das funções psíquicas.
Para aqueles que veem na linguagem apenas um
código aleatório, o autor responderia: “Uma palavra que não representa uma
idéia é uma coisa morta, da mesma forma que uma idéia não incorporada em palavras
não passa de uma sombra.“
Vygotsky desenvolveu inúmeros conceitos
fundamentais para que compreendamos a origem de nossas concepções e a forma
como as exprimimos: “pensamento egocêntrico”, “pensamento socializado”,
“conceito espontâneo”, “conceito científico”, “discurso interior”, “discurso
exteriorizado” etc.
Para quem se interessa por entender suas
ideologias sobre comunicação, aprendizagem, doutrinação e persuasão sua obra “Pensamento
e Linguagem” é básica e indispensável.
De acordo com Vygotsky, todas as atividades
cognitivas básicas do indivíduo ocorrem de acordo com sua história social e
acabam se constituindo no produto do desenvolvimento histórico-social de sua
comunidade. Portanto, as habilidades cognitivas e as formas de estruturar o
pensamento do indivíduo não são determinadas por fatores congênitos. Na
verdade, são resultado das atividades praticadas de acordo com os hábitos
sociais da cultura em que o indivíduo se desenvolve. Consequentemente, a história
da sociedade na qual a criança se desenvolve e a história pessoal desta criança
são fatores cruciais que vão determinar sua forma de pensar.
Neste processo de desenvolvimento cognitivo, a
linguagem tem papel crucial na determinação de como a criança vai aprender a
pensar, uma vez que formas avançadas de pensamento são transmitidas à criança
através de palavras.
Para Vygotsky, é necessário um claro
entendimento das relações entre pensamento e língua é para que se entenda o
processo de desenvolvimento intelectual. Linguagem não é apenas uma expressão
do conhecimento adquirido pela criança. Existe uma interrelação fundamental
entre pensamento e linguagem, na qual um proporciona recursos ao outro.
O fato mais importante exposto pelo estudo genético do pensamento
e a linguagem é o fato de a relação entre eles passar por muitas alterações; os
progressos no pensamento e na linguagem não seguem trajetórias paralelas: as
suas curvas de desenvolvimento cruzam-se repetidas vezes, podem aproximar-se e
correr lado a lado, podem até fundir-se por momentos, mas acabam por se afastar
de novo. Isto aplica-se tanto ao desenvolvimento filogenético como ao
ontogenético.
Ontogeneticamente, a relação entre
a gênese do pensamento e a da linguagem é muito complexa. No entanto, uma coisa
é certa: a linguagem não pode ser “descoberta” sem o pensamento.
A visão de Vygotsky busca uma
síntese que integra o homem enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e
social, enquanto membro da espécie humana e participante de um processo
histórico. Dessa forma, ele apresenta 3 ideias centrais como pilares de seu
pensamento:
- As funções psicológicas têm um suporte biológico, por serem produtos da atividades cerebrais;
- O funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre indivíduo e meio;
- A relação homem-mundo é mediada por sistemas simbólicos.
A metodologia apropriada para o
estudo das relações entre pensamento e linguagem é a análise semântica. O
significado serve como unidade para o estudo da fala, ferramenta de intercâmbio
social, no papel de ferramenta mediadora, bem como para o estudo do pensamento
generalizante, uma vez que cada palavra traz em si uma parte de generalização:
A questão do significado deve
ser entendida tanto do ponto de vista semântico – componente indissociável da
palavra, sem o qual esta seria um som vazio - quanto do ponto de vista
psicológico - generalização ou conceito, fenômeno do pensamento. O caráter
generalizante do significado das palavras é possível tendo-se como base as
funções da linguagem que a articulam com o pensamento (funções comunicativa e representativa).
A relação entre linguagem e cognição ou é
externa, em termos de que ambas são tomadas como elementos logicamente
independentes e heterogêneos entre si, ou interna, por uma relação de
instrumentalidade (na medida em que a linguagem desempenharia, nesse ponto de
vista, uma função meramente instrumental, psico-técnica, frente à cognição). No
entanto, tanto em uma abordagem como em outra, a linguagem nada mais é que mera
representação mental: ou as operações mentais representam ou produzem
representações, atuando a partir de uma instância superior e anterior às
experiências significativas do sujeito com a “coisalidade”, com as referências
do mundo sócio-cultural. Esta instância, da ordem do biológico (mental),
assegura o acesso ao mundo que se nos apresenta, o “real”. Assim, a atividade
do conhecimento se daria termos puramente intrasubjetivos, isto é, na mente das
pessoas, que não teriam como representar, apreender, categorizar ou localizar as
coisas do mundo físico a não ser pelo uso do instrumento simbólico (verbal)
pré-concebido.
A relação interna (de constitutividade) que
Vygotsky aponta entre linguagem e cognição torna possível uma articulação do
tipo epistemológico entre seu construto teórico e uma Linguística de orientação
enunciativa, cujos interesses se pautam pela análise dos processos de
significação e dos vários movimentos de sentido em jogo nas diversas práticas
discursivas.
Com isso, reconhece-se que a língua não é
simplesmente um intermediário entre nosso pensamento e o mundo. Há vários
fatores que mobilizam esta relação, além dos concernentes ao sistema linguístico
propriamente dito (a língua): as propriedades biológicas e psíquicas de que
somos dotados, a qualidade das interações humanas, o valor intersubjetivo da
linguagem, as contingências materiais da vida em sociedade, os diferentes
universos discursivos ou sistemas de referência antropocultural através dos
quais agimos e orientamos nossas ações no mundo, as normas pragmáticas que
presidem a utilização da linguagem, a polissemia existente entre língua e
(inter)discurso.
Os processos mentais como a
percepção, a memória e o pensamento não podem ser considerados simples
faculdades localizadas em áreas cerebrais, mas como sistemas funcionais
complexos. As estruturas cerebrais operam de modo combinado na organização das
representações mentais. Os hemisférios cerebrais, direito e esquerdo
desempenham papéis distintos no processo de aquisição do conhecimento e na
conduta dos seres humanos. Entretanto, atuam conjuntamente como partes
complementares de um sistema integrado de controle.
As funções que foram objeto da
análise experimental de Vygotsky como a memória, a percepção, a linguagem oral
e escrita, estavam intimamente ligadas à regulação baseada na fala, exercida
pelo córtex pré-frontal, cuja compreensão deve muito à obra de Luria. A função
reguladora da fala, pela qual coordenamos nossas atividades, constitui-se num
importante recurso desse córtex, regulando aspectos dependentes da programação,
coordenação e verificação da atividade, além de muitos outros: caso das
emoções, suas manifestações externas, a inibição exercida sobre os circuitos
emocionais, bem como outras formas de direcionamento da atividade dirigidas a
uma maior satisfação da personalidade.
Vygotsky dedicou-se ao estudo
das funções psicológicas superiores (FPS), tipicamente humanas. Ao longo do
processo de desenvolvimento, o indivíduo deixa de necessitar marcas externas e
passa a utilizar signos internos, que constituem as representações mentais e
substituem os objetos do mundo real. Os signos internalizados são como marcas
exteriores, elementos que representam objetos, eventos, situações. Vygotsky
afirma que o homem é capaz de operar mentalmente sobre o mundo: planejar,
estabelecer relações, compreender, associar.
Os instrumentos e a linguagem
constituem representações da realidade, que consistem numa espécie de filtro
através do qual o homem será capaz de ver o mundo e operar sobre ele. O
pensamento e a linguagem possuem origens distintas e desenvolvem-se de modo independente.
Vygotsky trabalha com o desenvolvimento da espécie humana e com o
desenvolvimento do indivíduo, buscando compreender e integrar tanto a origem,
como o percurso desse processo.
Existe uma trajetória do
pensamento desvinculada da linguagem e existe uma trajetória da linguagem
independentemente do pensamento. Em algum momento, contudo, essas trajetórias
se unem: o pensamento verbaliza-se e linguagem racionaliza-se. Para Vygotsky, as funções psicológicas superiores são
simultaneamente apoiadas em características biológicas da espécie humana e
construídas ao longo de sua história social. Para desenvolver-se, o ser humano
necessita dos mecanismos do aprendizado, em um movimento dialético que integra
desenvolvimento e aprendizagem.
Um
ambiente pobre em significados diminui as oportunidades de interação saudável
com a realidade, faltando matéria-prima fundamental para a emergência de
possibilidades de recontrução das representações mentais, que caracterizam a
vida saudável dos seres humanos, a partir de interações sócio-culturais.
Pode-se afirmar que, quando falta o significado, a patologia da alienação
mental se instala. Deixa de existir então, a mediação entre o sujeito que
aprende e o conhecimento.
A concepção de representações mentais não é
exclusiva de Vygotsky. Piaget e outros cognitivistas referiram-se também às
representações mentais. Entretanto, os conceitos guardam certa proximidade
entre si e as concepções de Vygotsky sobre o conhecimento representam um marco
na interação que existe simultaneamente entre aprendizado e desenvolvimento
humano.
O que Vigotski traz com uma força intempestiva
para a pesquisa atual é a idéia de continuidade (não apenas funcional ou
estrutural, mas sígnica) entre cognição e linguagem, entre linguagem e cultura,
entre cultura e arte, entre arte e política. Essa espécie de continuidade,
todavia, é solidária a um movimento descontínuo típico do domínio empírico que
lhe dá continente e sustentação. Trata-se, pois, de uma descontinuidade advinda
da natureza dinâmica, interativa e fluida da intersecção de vários movimentos
de sentido e de diferentes objetos simbólicos (linguagem, sujeito, cognição,
história), responsável pela relação de interpretância que o homem mantém com as
referências do mundo social, ou com a história. Trata-se, enfim, de uma “continuidade
descontínua”, que prevê um mundo de relações entre elementos cujas semiologias
são distintas, cujas realidades são particulares, ainda que não pertençam a
mundos não compossíveis.
Vygotsky, ainda, pesquisou o pensamento
na esquizofrenia, em 1931, e concluiu que, qualquer que seja sua causa, e por
mais paradoxal que possa parecer, os significados das palavras se tornam
patologicamente alterados na esquizofrenia, embora tais alterações não se
tornem aparentes durante um longo tempo.
Ele enumera as estruturas associativas
mais frequentemente encontradas:
- pensamento coletivo, no qual vários objetos são agrupados como se
eles formassem uma coleção composta por diferentes objetos unidos um ao
outro por certos relacionamentos – tal como uma coleção de objetos de
várias cores ou várias formas;
- pensamento por complexos em cadeias;
- pensamento por complexos associativos;
- pensamento por pseudocomplexos em cadeia.
Todos eles implicam um todo,
constituído de partes unidas organicamente, sendo que a diferença entre tais
associações e os conceitos é a de que nas associações a união é concreta e
mecânica, ao passo que no conceito há um princípio abstrato geral na base do qual a associação conceitual é
formada. Um complexo é mais bem ligado a uma grande família na qual são
agrupados, sob o mesmo nome de família, um grande número de pessoas de modo
geral diferentes.
Um paciente com esquizofrenia olha para
a palavra estímulo como um nome de família para um grupo de objetos sobre a
base de proximidade física, similaridade concreta de certas partes ou algum
outro relacionamento não-abstrato de um para o outro. Um exemplo típico seria o
das assim chamadas associações em cadeia em pacientes com
esquizofrenia. O paciente responde a uma palavra estímulo denotando certo
objeto pela nomeação de outro objeto similar em apenas um traço, então nomeando
um terceiro objeto tomando em consideração a alguma similaridade com o segundo
objeto, então de uma maneira similar adicionando um quarto ao terceiro, etc. O
resultado é uma quantidade de objetos bem heterogêneos conectados um ao outro
de modo bem remoto. A cadeia associativa é construída em tal relacionamento e
de tal maneira que há uma conexão entre elos separados, mas sem
nenhum princípio singular unindo todos eles.
Portanto, em seus experimentos, o sujeito tem que
selecionar um grupo de objetos, todos tendo um nome comum, sendo guiados por um
princípio de agrupamento por um exemplo dado a ele. O exemplo pode consistir de
um pequeno triângulo azul então uma figura grande circular e verde,
então um paralelogramo verde, etc. (o complexo em cadeia de cores); ou a ele
pode ser mostrado o mesmo triângulo e ele pode escolher outro triângulo que é
completamente diferente do primeiro em cor e tamanho (complexo associativo).
Nesse ponto surge, portanto, uma junção de vários objetos assemelhando-se a uma
grande família na qual o vínculo é dos mais heterogêneos em termos de caráter,
grau e princípio. Tal método de associação é comum em crianças antes da
adolescência. A despeito de todas as diferenças no processo de pensamento numa
criança e no paciente com esquizofrenia, há uma similaridade fundamental nas
características mais essenciais. Portanto, em pessoas com
esquizofrenia, o pensamento é realmente regressivo.
Alguns autores comparam o pensamento por complexos
de pessoas com esquizofrenia com o pensamento de povos primitivos, com o
pensamento em sonhos, e finalmente com o processo intelectual em animais
inferiores, especialmente com o processo de pensamento em aranhas como
mostrado por Volkelt (Filósofo alemão. Elaborou uma metafísica baseada na análise do conhecimento, a que chamou de transubjetivismo. Dedicou-se aos estudos estéticos). Como relatado por
Volkelt, a aranha age através de movimentos apurados quando tenta levar sua
presa da teia para o ninho, mas torna-se perdida quando a mesma presa é
removida da teia – isto é, da situação complexa total à qual a aranha está
acostumada – e posta diretamente no ninho da aranha. A consciência seletiva de
uma aranha não percebe tanto sensações isoladas como percebe situações
emocionais condicionadas totais. Em toda esta transição o pensamento
associativo é representado como uma etapa para o pensamento visual, pictórico.
Embora uma tendência esteja indubitavelmente em
evidência, todas estas comparações padecem de negligenciar os graus dominantes
do desenvolvimento psicogenético. Entre o pensamento abstrato na forma de
conceitos e o pensamento como ele é exibido pela aranha, há realmente muitas
etapas de desenvolvimento, cada qual diferindo uma da outra não menos do que o
pensamento associativo dos pacientes com esquizofrenia difere de o pensamento
de uma pessoa normal. E assim como não é admissível fazer uma comparação
genética do pensamento como ocorre nos sonhos com o pensamento como ocorre no
homem primitivo ou na aranha, simplesmente porque tais formas de pensamento
estão todas abaixo do estágio do pensamento conceitual, tampouco alguém teria o
direito de supor que o pensamento do paciente com esquizofrenia imediatamente
cai no abismo de milhões de anos, ou necessita para sua compreensão analogias
com a aranha, que não reconhece sua presa depois que foi removida da teia e
colocada no ninho.
As observações de Vygotsky mostram que o pensamento
por complexos, observado em pacientes com esquizofrenia, é a etapa mais próxima
do pensamento conceitual e geneticamente precede-o imediatamente. Há
alguma similaridade, então, embora não seja uma identidade, entre o
pensamento do paciente com esquizofrenia e o pensamento de uma criança. A
única base comum que permite uma comparação direta dos dois tipos diferentes de
pensamento é a de que o processo de pensamento da criança e aquele de um paciente
com esquizofrenia nos estágios iniciais da doença são meramente etapas no
desenvolvimento genético do pensamento; isto é, eles representam a etapa
imediatamente anterior à do estágio de formação do conceito e não podem ser
comparados ao processo do pensamento da aranha do qual eles estão separados por
milhões dos anos do desenvolvimento.
O autor acredita que mesmo na idade adulta
permanece uma tendência para o pensamento por complexos em certos campos. Ele
ressalta que um exame superficial não revelará a transição de uma modalidade de
pensamento para outra a menos que métodos especiais de investigação sejam
empregados.
Uma segunda conclusão importante a ser derivada de
seu experimento relaciona-se com fato de que na esquizofrenia há uma destruição
dos sistemas psicológicos que se encontram na base dos conceitos. Expressando a
mesma idéia diferentemente, pode-se dizer que logo cedo na esquizofrenia os
significados das palavras modificam-se. Estas modificações são às vezes
difíceis de serem observadas a menos que se usem métodos especiais, mas podem
ser demonstradas. A maneira de compreender este fenômeno encontra-se no estudo
do pensamento na criança. Uma criança pensa diferentemente de um adulto;
consequentemente, as palavras para ela também têm diferentes conotações em sua
estrutura psicológica. A pergunta naturalmente surge:
Se as palavras têm significados diferentes como
fazem uma criança e um adulto para compreender um ao outro?
Como um exemplo, ele cita o fato paradoxal
estabelecido por Piaget de que crianças da mesma idade e grau de
desenvolvimento não compreendem uma a outra assim como o fazem os adultos.
Ainda o pensamento dos adultos é governado por leis completamente diferentes
daquelas que determinam o pensamento das crianças. Ele ainda completa:
Se o
significado das palavras começa a mudar logo cedo no curso do processo
esquizofrênico, como esse permanece inobservável, e como é possível para a
pessoa normal e a pessoa com esquizofrenia compreenderem um ao outro?
Complexos substituem conceitos no pensamento
na esquizofrenia, ainda que coincidam, nos seus relacionamentos com o objeto,
com os conceitos que substituem. Há então pseudoconceitos, mas a totalidade da
transição às formas mais primitivas de pensamento não é aparente porque o
paciente retém sua capacidade para o intercurso verbal, ainda que as palavras
não tenham o mesmo significado para ele que têm para nós. Como uma ilustração
concreta ele cita suas investigações experimentais a respeito do grau em que
pacientes com esquizofrenia no mesmo estágio da doença, e com o mesmo tipo de
pensamento, compreendem um ao outro em comparação ao grau de compreensão mútua
exibido por um paciente com esquizofrenia e uma pessoa normal. Ele questiona
que, se for realmente verdadeiro, como afirma, que na esquizofrenia há uma
desintegração dos conceitos com mudanças no significado das palavras, mesmo que
isto não seja aparente na superfície, deve haver algumas provas de que estes
fenômenos realmente ocorrem. Para ele a prova é simples. Se palavras têm
diferentes significados para um paciente com esquizofrenia daqueles que elas
têm para nós, então esta diferença deve expressar-se funcionalmente, ou seja, no
comportamento dos pacientes. Mesmo que um complexo possa externamente se
assemelhar a um conceito, ainda assim tem suas próprias leis de funcionamento.
Assim como o pensamento associativo de uma criança se expressa de várias maneiras,
deve também o pensamento de um paciente com esquizofrenia revelar sua
característica distintiva quando submetido a um teste, isto é, no comportamento
efetivo.
Ele
usa, então, a expressão metafórica, ou seja, a transferência de termos que
denotam originalmente uma coisa à expressão de outra (‘Um navio era o mar’). Ele
primeiramente usou este teste em casos de afasia associados com a perda de
memória, nos quais também podem ser vistos distúrbios de pensamento categorial
(Gelb e Goldstein- psicólogo e neurofisiologista alemão, respectivamente) e de
pensamento conceitual. Nesta conexão se pode notar que os distúrbios de
pensamento categorial, que Gelb e Goldstein delimitaram como sintoma cardinal na
afasia amnésica, foram encontrados também por eles em um paciente que exibia
amnésia para várias cores. Quando pedido a este paciente para combinar cores, em
vez de combinar objetos de acordo com a cor designada, ele os combinou de
acordo com o tamanho, ou de acordo com o valor no brilho da pintura, e somente
ocasionalmente de acordo com a cor, manifestando assim o tipo de pensamento por
complexos previamente descrito.
Vygotsky
encontra em seus pacientes sentidos metafóricos para compreender palavras usadas
assim. Eles não podiam reter os significados de palavras das mais simples a menos
que eles fossem usados em um sentido direto e literal. Nem poderiam lidar com o
teste de Piaget, o qual requer que o sujeito combine um provérbio especificado
com outro de significado similar. Para sua surpresa tais falhas ocorreram a
despeito de uma
aparente preservação da fala e de outras funções intelectuais. Ele depois
descobriu, entretanto, que Kurt Schneider (psiquiatra alemão, que estudou a
esquizofrenia) também tinha encontrado distúrbios na capacidade de compreender
palavras usadas em sentidos metafóricos como sendo uma característica frequente
de esquizofrenia.
O mais notável, segundo Vygotsky, foi que ele encontrou distúrbios na compreensão
das palavras usadas figurativamente, mesmo quando não havia nenhum distúrbio
aparente da vida intelectual em geral. Esta dificuldade tornou-se muito óbvia
quando palavras ou conceitos especiais eram usados. Enquanto a mente normal não
tem nenhuma dificuldade em usar palavras dadas figurativa ou metaforicamente, o
mesmo problema apresenta uma dificuldade intransponível para o paciente com
esquizofrenia, apesar do fato de que reteve da infância o hábito de usar
figuras de linguagem, provérbios, etc.. Assim, muitos de seus pacientes não tinham
nenhuma dificuldade em ver as ramificações e generalidades mais diversificadas
quando lhes era dado o provérbio russo ‘se você vai lentamente você chegará
mais longe no final’, mas eles não podiam dar um significado geral quando a tradução
russa de um provérbio francês, ‘quando o gato estiver ausente os ratos
brincarão’, era dada. Este eles interpretavam em seu sentido estreito, e podiam
somente literalmente ver que ratos brincam quando o gato está ausente. Isto é,
eles não poderiam ver, em uma situação concretamente descrita, significados
outros e mais abstratos do que aqueles diretamente atribuídos mediante palavras
particulares usadas para descrevê-la. Este fato serve como uma importante diferenciação
entre o pensamento simbólico visual, dos sonhos e o pensamento simbólico
metafórico baseado em conceitos. A identificação de um com o outro não tem
qualquer base psicológica sólida.
Ele
encontrou também um outro fato ilustrando distúrbios de significado em palavras
usadas por pacientes com esquizofrenia. Seus experimentos não pararam no
estágio do desenvolvimento de conceitos experimentais. Ele estudou a maneira
pela qual estes novos conceitos expressam a si mesmos. Assim, os incluiu como
uma parte de testes de associação em que as respostas foram cuidadosamente registradas
por escrito. Solicitou-se aos sujeitos que fizessem julgamentos que incluíssem
tanto os conceitos antigos quanto os formados, e foram encorajados a ampliar a
aplicação dos conceitos recentemente formados e a transpô-los do laboratório
para a vida cotidiana. Em outras palavras, ele quis traçar tão completamente quanto
possível o curso dos conceitos recentemente formados no pensamento dos
pacientes. Por fim, ele afirma que foi encontrada uma desintegração latente dos
conceitos. Ele encontrou também que os pseudoconceitos que tomaram o lugar dos
conceitos verdadeiros eram completamente diferentes deles em comportamento e
expressão.
Como
um exemplo de pseudoconceitos ele indica o caso do conceito de causalidade em
uma criança. A criança começa muito cedo a usar as palavras que denotam
relações causais, tais como a palavra “porque”, embora, como mostrou Piaget, o significado
dado pela criança a estas palavras difira completamente daquele dado pelo
adulto. Uma criança estabelecerá uma conexão causal entre as ideias mais
inconsequentes, um fato que conduziu Piaget a falar de um determinado estágio
no desenvolvimento da criança como estágio da pré-causalidade. Deve-se ter
métodos especiais para demonstrar tais pseudoconceitos porque superficialmente
eles podem assemelhar-se a conceitos verdadeiros em sua aparência externa.
Segundo as palavras do próprio Vygotsky, pseudoconceitos são lobos em roupa de cordeiro.
Eles são associações que se mostram como conceitos. Qualquer um que trabalha
com eles descobre rapidamente como perturbam as formas de pensamento
conceitual. No intuito de demonstrar isto, entretanto, deve-se considerar
outras funções psicológicas. Como um exemplo das mais remotas consequências resultantes
do distúrbio da função da formação de conceitos, ele se refere às experiências
com percepções e respostas afetivas na esquizofrenia.
Um
estudo das percepções de um paciente com esquizofrenia indica que vários
objetos de percepção comum de tal paciente facilmente perdem suas
características perceptuais comuns. Variações ligeiras na luz ou na posição do
objeto apresentam-se nas respostas dos pacientes similares àquelas de pessoas
normais aos borrões de tinta sem sentido do Teste de Rorschach. Assim como
pessoas normais veem, em tais borrões de tinta, pessoas, paisagens, faces,
fadas, também o paciente com esquizofrenia, em sua percepção dos objetos, anexa
a eles os mais extraordinários significados se houver a mais ligeira mudança na
sua aparência habitual. Ainda, segundo Vygotsky, a chave para a compreensão do
fenômeno encontra-se na psicologia genética, que ensina que as percepções
categoriais são obtidas através de um complicado processo, no qual perceptos e
conceitos são coordenados em novas formas de pensamento visual, os perceptos
representando, dessa maneira, um papel subordinado e dependente.
Como
um exemplo de tal fusão de concepção no sentido estreito da palavra ele se
refere às ilusões, em que não se pode separar o significado do objeto (sombra
branca-fantasma). Sabe-se também da psicologia experimental que é impossível
sob circunstâncias normais obter percepções absolutas sem associá-las com
significados, compreensões e apercepções. É por isto que é tão difícil alcançar
percepção em cultura pura, e por isso que os objetos não podem servir todos
para nós como os borrões de tinta servem no teste de Rorschach. A percepção é
uma parte integral do pensamento visual e é intimamente conectada com os conceitos
que vão junto a ela. É por isto que cada percepção é realmente uma apercepção.
Mas isto não é verdadeiro para o pensamento por complexos. Com a desintegração
dos conceitos e sua regressão a formas mais primitivas de pensamento, todo o relacionamento
entre a percepção e a apercepção torna-se alterado de uma maneira que é típica
da esquizofrenia. Tal mudança é aproximadamente semelhante aos fenômenos que
aparecem na vida afetiva dos pacientes com esquizofrenia. Os fatores
significativos, nesses casos, não são o embotamento emocional e o
desaparecimento da riqueza e da variedade de expressão emocional, mas a
separação destas expressões emocionais dos conceitos com os quais são
intimamente associadas.
Sua
contribuição reside na demonstração de que o distúrbio da vida emocional é
somente parte de um distúrbio mais amplo e fundamental, isto é, um distúrbio no
campo da formação de conceitos. Sua postulação é a de que o distúrbio
intelectual, tanto quanto os distúrbios nos campos das percepções, emoções e
outras funções psicológicas, estão em relação causal direta com o distúrbio das
funções da formação de conceitos. Esta hipótese é baseada nos resultados do
estudo desenvolvimental do indivíduo, ou seja, baseado em dados ontogenéticos.
Há um erro de interpretação que invariavelmente aparece em toda discussão sobre esquizofrenia, e que ele ressalta, em seu trabalho, que gostaria de reparar. Utilizando a função da formação de conceitos como um ponto de partida da investigação, e concluindo também que ela é o centro ou núcleo psicológico de todo o drama da doença, vê-se ainda que ela não tem nada da etiologia da esquizofrenia. Distúrbios na função da formação de conceitos são o resultado imediato da esquizofrenia, mas não a sua causa. Ele acrescenta que não está de todo inclinado a tratar a esquizofrenia como uma desordem psicogenética. Qualquer que possa ser a causa orgânica da doença, contudo, a psicologia tem um direito de estudar os fenômenos associados com as mudanças na personalidade de um ponto de vista psicológico. A desintegração da personalidade segue certas leis psicológicas, ainda que as causas diretas destes processos possam não ser psicológicas em sua natureza.
Aquilo que lhe interessa nesta teoria é que ela constrói uma ponte sobre o vazio entre a hipótese psicológica e os dados fisiológicos em esquizofrenia. Se se evoca que o propósito e a função biológica das inibições internas, inclusive o sono, consistem na cessação de contatos com o mundo externo, torna-se claro que o autismo, abandono e fechamento do self de alguém à realidade são resultados diretos do estado especial do sistema nervoso central dos pacientes com esquizofrenia. A perda de contato com o mundo exterior assume uma significância biológica. Ela não é o resultado da esquizofrenia, mas uma expressão das forças protetoras do organismo reagindo com inibições internas à debilidade do sistema nervoso central. Se isto é assim, e parece haver toda razão para acreditar que isto é um fato, importantes conclusões podem ser tiradas. Todas as funções psicológicas superiores, inclusive a fala e o pensamento conceitual, são de origem social. Elas emergem como meios de prestar ajuda mútua, e gradualmente tornam-se uma parte do comportamento cotidiano da pessoa. É significativo que em sonhos haja uma cessação de contatos com o self social que forma a fundação da personalidade normal. Isto aparentemente torna-se também a causa de diminuição da capacidade do intelecto no campo dos conceitos; os outros sintomas da esquizofrenia advêm dessa fonte. Em alguma medida, seus dados experimentais, interpretados à luz da psicologia genética, permitem ao mundo científico formular algumas teorias e levantar questionamentos.
Portanto, de acordo com o pensamento de Vygotsky, o discurso interior é uma fase posterior à fala egocêntrica. É quando as palavras passam a ser pensadas, sem que necessariamente sejam faladas. É um pensamento em palavras. Já o pensamento é um plano mais profundo do discurso interior, que tem por função criar conexões e resolver problemas, o que não é, necessariamente, feito em palavras. É algo feito de ideias, que muitas vezes nem conseguimos verbalizar, ou demoramos ainda um tempo para achar as palavras certas para exprimir um pensamento.
O pensamento não coincide de forma exata com os significados das palavras. O pensamento vai além, porque capta as relações entre as palavras de uma forma mais complexa e completa que a gramática faz na linguagem escrita e falada. Para a expressão verbal do pensamento, às vezes é preciso um esforço grande para concentrar todo o conteúdo de uma reflexão em uma frase ou em um discurso. Para pessoas portadoras de esquizofrenia, esse esforço é maior ainda.
Portanto, podemos concluir que o pensamento não se reflete na palavra; realiza-se nela, a medida em que é a linguagem que permite a transmissão do seu pensamento para outra pessoa.
Finalmente, cabe destacar que o pensamento não é o último plano analisável da linguagem. Podemos encontrar um último plano interior: a motivação do pensamento, a esfera motivacional de nossa consciência, que abrange nossas inclinações e necessidades, nossos interesses e impulsos, nossos afetos e emoções. Tudo isso vai refletir imensamente na nossa fala e no nosso pensamento.
Referências:
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MORATO, Edwiges Maria. Vigotski e a perspectiva enunciativa da relação entre linguagem, cognição e mundo social. Educação & Sociedade, ano XXI, nº 71, julho. 2000.
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4 comentários:
Olá,Milena!!
Me interesso muito pela saúde mental também.Gosto de estudar os grandes filósofos e pensadores.Sempre aprendemos mais!
Vou estudar muito Vygotsky, pois faz parte do curriculo da minha faculdade.
Lindo seu blog!
Beijos!
Oi Vivian,
como vai? Fico feliz que tenha gostado do blog!
Qual o curso que você faz?
Espero que volte sempre...
Grande abraço,
Milena
Oi filhota, como vai?
Seu blog tá bombando heim?!
Bjusssss
Oi mamis!
Pois é! Você viu?
Graças a você, que está divulgando...obrigada mamis..
Vou postar mais coisas nesse fds..
bju..te amo
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