domingo, 6 de maio de 2012

Vygotsky: pensamento, linguagem e esquizofrenia


As funções psicológicas superiores (FPS), tais como a atenção, memória, imaginação, pensamento e linguagem são organizadas em sistemas funcionais, cuja finalidade é organizar adequadamente a vida mental de um indivíduo em seu meio.

É sobre essas questões, que Vygotsky disserta em seus trabalhos, que serão expostos nesse post.

Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934) fez seus estudos na Universidade de Moscou/Rússia, para tornar-se professor de literatura. O objetivo de suas pesquisas iniciais foi a criação artística e foi só a partir de 1924 que sua carreira mudou drasticamente, passando a dedicar-se à psicologia evolutiva, educação e psicopatologia. A partir daí ele concentrou-se nessas áreas e produziu obras em ritmo intenso até sua morte prematura em 1934, devido à tuberculose.

 Devido a vários fatores, inclusive a tensão política entre os Estados Unidos e a União Soviética após a segunda guerra, o trabalho de Vygotsky permaneceu desconhecido a grande parte do mundo ocidental durante décadas. Quando a Guerra Fria acabou, este incrível patrimônio de conhecimento deixado por Vygotsky começou a ser revelado. O nome de Vygotsky hoje dificilmente deixa de aparecer em qualquer discussão séria sobre processos de aprendizado e as relações que envolvem linguagem e pensamento.

Vygotsky estava preocupado em entender a relação entre as ideias que as pessoas desenvolvem e o que dizem ou escrevem. Seus estudos não foram feitos em uma mesa de escritório, mas indo a campo, pesquisando, fazendo experiências. Ele extraiu conclusões como: “A estrutura da língua que uma pessoa fala influencia a maneira com que esta pessoa percebe o universo ...”

Um primeiro ponto abordado dentro dos trabalhos de Vygotsky foi a relação entre pensamento e linguagem. No momento histórico em que Vygotsky aborda esse ponto, a unicidade da consciência é vista pela Psicologia como um invariante. As formas como as funções psíquicas se relacionam entre si não mudam e, por consequência, podemos estudar cada um dos componentes da consciência de forma isolada. Esse é o primeiro ponto onde Vygotsky se insurge contra as teorias vigentes no seu tempo apontando para o fato de que as funções da mente não são invariantes e mudam. Logo, há que se ressaltar o caráter de interdependência das funções psíquicas.

Para aqueles que veem na linguagem apenas um código aleatório, o autor responderia: “Uma palavra que não representa uma idéia é uma coisa morta, da mesma forma que uma idéia não incorporada em palavras não passa de uma sombra.“

Vygotsky desenvolveu inúmeros conceitos fundamentais para que compreendamos a origem de nossas concepções e a forma como as exprimimos: “pensamento egocêntrico”, “pensamento socializado”, “conceito espontâneo”, “conceito científico”, “discurso interior”, “discurso exteriorizado” etc.

Para quem se interessa por entender suas ideologias sobre comunicação, aprendizagem, doutrinação e persuasão sua obra “Pensamento e Linguagem” é básica e indispensável.

 De acordo com Vygotsky, todas as atividades cognitivas básicas do indivíduo ocorrem de acordo com sua história social e acabam se constituindo no produto do desenvolvimento histórico-social de sua comunidade. Portanto, as habilidades cognitivas e as formas de estruturar o pensamento do indivíduo não são determinadas por fatores congênitos. Na verdade, são resultado das atividades praticadas de acordo com os hábitos sociais da cultura em que o indivíduo se desenvolve. Consequentemente, a história da sociedade na qual a criança se desenvolve e a história pessoal desta criança são fatores cruciais que vão determinar sua forma de pensar.


Neste processo de desenvolvimento cognitivo, a linguagem tem papel crucial na determinação de como a criança vai aprender a pensar, uma vez que formas avançadas de pensamento são transmitidas à criança através de palavras.

Para Vygotsky, é necessário um claro entendimento das relações entre pensamento e língua é para que se entenda o processo de desenvolvimento intelectual. Linguagem não é apenas uma expressão do conhecimento adquirido pela criança. Existe uma interrelação fundamental entre pensamento e linguagem, na qual um proporciona recursos ao outro.





O fato mais importante exposto pelo estudo genético do pensamento e a linguagem é o fato de a relação entre eles passar por muitas alterações; os progressos no pensamento e na linguagem não seguem trajetórias paralelas: as suas curvas de desenvolvimento cruzam-se repetidas vezes, podem aproximar-se e correr lado a lado, podem até fundir-se por momentos, mas acabam por se afastar de novo. Isto aplica-se tanto ao desenvolvimento filogenético como ao ontogenético.




Ontogeneticamente, a relação entre a gênese do pensamento e a da linguagem é muito complexa. No entanto, uma coisa é certa: a linguagem não pode ser “descoberta” sem o pensamento.

A visão de Vygotsky busca uma síntese que integra o homem enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e social, enquanto membro da espécie humana e participante de um processo histórico. Dessa forma, ele apresenta 3 ideias centrais como pilares de seu pensamento:
  1. As funções psicológicas têm um suporte biológico, por serem produtos da atividades cerebrais;
  2. O funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre indivíduo e meio;
  3. A relação homem-mundo é mediada por sistemas simbólicos.

 A metodologia apropriada para o estudo das relações entre pensamento e linguagem é a análise semântica. O significado serve como unidade para o estudo da fala, ferramenta de intercâmbio social, no papel de ferramenta mediadora, bem como para o estudo do pensamento generalizante, uma vez que cada palavra traz em si uma parte de generalização:

A questão do significado deve ser entendida tanto do ponto de vista semântico – componente indissociável da palavra, sem o qual esta seria um som vazio - quanto do ponto de vista psicológico - generalização ou conceito, fenômeno do pensamento. O caráter generalizante do significado das palavras é possível tendo-se como base as funções da linguagem que a articulam com o pensamento (funções comunicativa e representativa).


A relação entre linguagem e cognição ou é externa, em termos de que ambas são tomadas como elementos logicamente independentes e heterogêneos entre si, ou interna, por uma relação de instrumentalidade (na medida em que a linguagem desempenharia, nesse ponto de vista, uma função meramente instrumental, psico-técnica, frente à cognição). No entanto, tanto em uma abordagem como em outra, a linguagem nada mais é que mera representação mental: ou as operações mentais representam ou produzem representações, atuando a partir de uma instância superior e anterior às experiências significativas do sujeito com a “coisalidade”, com as referências do mundo sócio-cultural. Esta instância, da ordem do biológico (mental), assegura o acesso ao mundo que se nos apresenta, o “real”. Assim, a atividade do conhecimento se daria termos puramente intrasubjetivos, isto é, na mente das pessoas, que não teriam como representar, apreender, categorizar ou localizar as coisas do mundo físico a não ser pelo uso do instrumento simbólico (verbal) pré-concebido.


A relação interna (de constitutividade) que Vygotsky aponta entre linguagem e cognição torna possível uma articulação do tipo epistemológico entre seu construto teórico e uma Linguística de orientação enunciativa, cujos interesses se pautam pela análise dos processos de significação e dos vários movimentos de sentido em jogo nas diversas práticas discursivas.

Com isso, reconhece-se que a língua não é simplesmente um intermediário entre nosso pensamento e o mundo. Há vários fatores que mobilizam esta relação, além dos concernentes ao sistema linguístico propriamente dito (a língua): as propriedades biológicas e psíquicas de que somos dotados, a qualidade das interações humanas, o valor intersubjetivo da linguagem, as contingências materiais da vida em sociedade, os diferentes universos discursivos ou sistemas de referência antropocultural através dos quais agimos e orientamos nossas ações no mundo, as normas pragmáticas que presidem a utilização da linguagem, a polissemia existente entre língua e (inter)discurso.

Os processos mentais como a percepção, a memória e o pensamento não podem ser considerados simples faculdades localizadas em áreas cerebrais, mas como sistemas funcionais complexos. As estruturas cerebrais operam de modo combinado na organização das representações mentais. Os hemisférios cerebrais, direito e esquerdo desempenham papéis distintos no processo de aquisição do conhecimento e na conduta dos seres humanos. Entretanto, atuam conjuntamente como partes complementares de um sistema integrado de controle.

 As funções que foram objeto da análise experimental de Vygotsky como a memória, a percepção, a linguagem oral e escrita, estavam intimamente ligadas à regulação baseada na fala, exercida pelo córtex pré-frontal, cuja compreensão deve muito à obra de Luria. A função reguladora da fala, pela qual coordenamos nossas atividades, constitui-se num importante recurso desse córtex, regulando aspectos dependentes da programação, coordenação e verificação da atividade, além de muitos outros: caso das emoções, suas manifestações externas, a inibição exercida sobre os circuitos emocionais, bem como outras formas de direcionamento da atividade dirigidas a uma maior satisfação da personalidade.

Vygotsky dedicou-se ao estudo das funções psicológicas superiores (FPS), tipicamente humanas. Ao longo do processo de desenvolvimento, o indivíduo deixa de necessitar marcas externas e passa a utilizar signos internos, que constituem as representações mentais e substituem os objetos do mundo real. Os signos internalizados são como marcas exteriores, elementos que representam objetos, eventos, situações. Vygotsky afirma que o homem é capaz de operar mentalmente sobre o mundo: planejar, estabelecer relações, compreender, associar.



Os instrumentos e a linguagem constituem representações da realidade, que consistem numa espécie de filtro através do qual o homem será capaz de ver o mundo e operar sobre ele. O pensamento e a linguagem possuem origens distintas e desenvolvem-se de modo independente. Vygotsky trabalha com o desenvolvimento da espécie humana e com o desenvolvimento do indivíduo, buscando compreender e integrar tanto a origem, como o percurso desse processo.

Existe uma trajetória do pensamento desvinculada da linguagem e existe uma trajetória da linguagem independentemente do pensamento. Em algum momento, contudo, essas trajetórias se unem: o pensamento verbaliza-se e linguagem racionaliza-se. Para Vygotsky,  as funções psicológicas superiores são simultaneamente apoiadas em características biológicas da espécie humana e construídas ao longo de sua história social. Para desenvolver-se, o ser humano necessita dos mecanismos do aprendizado, em um movimento dialético que integra desenvolvimento e aprendizagem.

Um ambiente pobre em significados diminui as oportunidades de interação saudável com a realidade, faltando matéria-prima fundamental para a emergência de possibilidades de recontrução das representações mentais, que caracterizam a vida saudável dos seres humanos, a partir de interações sócio-culturais. Pode-se afirmar que, quando falta o significado, a patologia da alienação mental se instala. Deixa de existir então, a mediação entre o sujeito que aprende e o conhecimento.

A concepção de representações mentais não é exclusiva de Vygotsky. Piaget e outros cognitivistas referiram-se também às representações mentais. Entretanto, os conceitos guardam certa proximidade entre si e as concepções de Vygotsky sobre o conhecimento representam um marco na interação que existe simultaneamente entre aprendizado e desenvolvimento humano.

O que Vigotski traz com uma força intempestiva para a pesquisa atual é a idéia de continuidade (não apenas funcional ou estrutural, mas sígnica) entre cognição e linguagem, entre linguagem e cultura, entre cultura e arte, entre arte e política. Essa espécie de continuidade, todavia, é solidária a um movimento descontínuo típico do domínio empírico que lhe dá continente e sustentação. Trata-se, pois, de uma descontinuidade advinda da natureza dinâmica, interativa e fluida da intersecção de vários movimentos de sentido e de diferentes objetos simbólicos (linguagem, sujeito, cognição, história), responsável pela relação de interpretância que o homem mantém com as referências do mundo social, ou com a história. Trata-se, enfim, de uma “continuidade descontínua”, que prevê um mundo de relações entre elementos cujas semiologias são distintas, cujas realidades são particulares, ainda que não pertençam a mundos não compossíveis.




Vygotsky, ainda, pesquisou o pensamento na esquizofrenia, em 1931, e concluiu que, qualquer que seja sua causa, e por mais paradoxal que possa parecer, os significados das palavras se tornam patologicamente alterados na esquizofrenia, embora tais alterações não se tornem aparentes durante um longo tempo.

Ele enumera as estruturas associativas mais frequentemente encontradas:
  1. pensamento coletivo, no qual vários objetos são agrupados como se eles formassem uma coleção composta por diferentes objetos unidos um ao outro por certos relacionamentos – tal como uma coleção de objetos de várias cores ou várias formas;
  2. pensamento por complexos em cadeias;
  3. pensamento por complexos associativos;
  4. pensamento por pseudocomplexos em cadeia. 
 Todos eles implicam um todo, constituído de partes unidas organicamente, sendo que a diferença entre tais associações e os conceitos é a de que nas associações a união é concreta e mecânica, ao passo que no conceito há um princípio abstrato geral na base do qual a associação conceitual é formada. Um complexo é mais bem ligado a uma grande família na qual são agrupados, sob o mesmo nome de família, um grande número de pessoas de modo geral diferentes.

Um paciente com esquizofrenia olha para a palavra estímulo como um nome de família para um grupo de objetos sobre a base de proximidade física, similaridade concreta de certas partes ou algum outro relacionamento não-abstrato de um para o outro. Um exemplo típico seria o das assim chamadas associações em cadeia em pacientes com esquizofrenia. O paciente responde a uma palavra estímulo denotando certo objeto pela nomeação de outro objeto similar em apenas um traço, então nomeando um terceiro objeto tomando em consideração a alguma similaridade com o segundo objeto, então de uma maneira similar adicionando um quarto ao terceiro, etc. O resultado é uma quantidade de objetos bem heterogêneos conectados um ao outro de modo bem remoto. A cadeia associativa é construída em tal relacionamento e de tal maneira que há uma conexão entre elos separados, mas sem nenhum princípio singular unindo todos eles.



Portanto, em seus experimentos, o sujeito tem que selecionar um grupo de objetos, todos tendo um nome comum, sendo guiados por um princípio de agrupamento por um exemplo dado a ele. O exemplo pode consistir de um pequeno triângulo azul então uma figura grande circular e verde, então um paralelogramo verde, etc. (o complexo em cadeia de cores); ou a ele pode ser mostrado o mesmo triângulo e ele pode escolher outro triângulo que é completamente diferente do primeiro em cor e tamanho (complexo associativo). Nesse ponto surge, portanto, uma junção de vários objetos assemelhando-se a uma grande família na qual o vínculo é dos mais heterogêneos em termos de caráter, grau e princípio. Tal método de associação é comum em crianças antes da adolescência. A despeito de todas as diferenças no processo de pensamento numa criança e no paciente com esquizofrenia, há uma similaridade fundamental nas características mais essenciais. Portanto, em pessoas com esquizofrenia, o pensamento é realmente regressivo.


Alguns autores comparam o pensamento por complexos de pessoas com esquizofrenia com o pensamento de povos primitivos, com o pensamento em sonhos, e finalmente com o processo intelectual em animais inferiores, especialmente com o processo de pensamento em aranhas como mostrado por Volkelt (Filósofo alemão. Elaborou uma metafísica baseada na análise do conhecimento, a que chamou de transubjetivismo. Dedicou-se aos estudos estéticos). Como relatado por Volkelt, a aranha age através de movimentos apurados quando tenta levar sua presa da teia para o ninho, mas torna-se perdida quando a mesma presa é removida da teia – isto é, da situação complexa total à qual a aranha está acostumada – e posta diretamente no ninho da aranha. A consciência seletiva de uma aranha não percebe tanto sensações isoladas como percebe situações emocionais condicionadas totais. Em toda esta transição o pensamento associativo é representado como uma etapa para o pensamento visual, pictórico.

Embora uma tendência esteja indubitavelmente em evidência, todas estas comparações padecem de negligenciar os graus dominantes do desenvolvimento psicogenético. Entre o pensamento abstrato na forma de conceitos e o pensamento como ele é exibido pela aranha, há realmente muitas etapas de desenvolvimento, cada qual diferindo uma da outra não menos do que o pensamento associativo dos pacientes com esquizofrenia difere de o pensamento de uma pessoa normal. E assim como não é admissível fazer uma comparação genética do pensamento como ocorre nos sonhos com o pensamento como ocorre no homem primitivo ou na aranha, simplesmente porque tais formas de pensamento estão todas abaixo do estágio do pensamento conceitual, tampouco alguém teria o direito de supor que o pensamento do paciente com esquizofrenia imediatamente cai no abismo de milhões de anos, ou necessita para sua compreensão analogias com a aranha, que não reconhece sua presa depois que foi removida da teia e colocada no ninho.

As observações de Vygotsky mostram que o pensamento por complexos, observado em pacientes com esquizofrenia, é a etapa mais próxima do pensamento conceitual e geneticamente precede-o imediatamente. Há alguma similaridade, então, embora não seja uma identidade, entre o pensamento do paciente com esquizofrenia e o pensamento de uma criança. A única base comum que permite uma comparação direta dos dois tipos diferentes de pensamento é a de que o processo de pensamento da criança e aquele de um paciente com esquizofrenia nos estágios iniciais da doença são meramente etapas no desenvolvimento genético do pensamento; isto é, eles representam a etapa imediatamente anterior à do estágio de formação do conceito e não podem ser comparados ao processo do pensamento da aranha do qual eles estão separados por milhões dos anos do desenvolvimento.

O autor acredita que mesmo na idade adulta permanece uma tendência para o pensamento por complexos em certos campos. Ele ressalta que um exame superficial não revelará a transição de uma modalidade de pensamento para outra a menos que métodos especiais de investigação sejam empregados.

Uma segunda conclusão importante a ser derivada de seu experimento relaciona-se com fato de que na esquizofrenia há uma destruição dos sistemas psicológicos que se encontram na base dos conceitos. Expressando a mesma idéia diferentemente, pode-se dizer que logo cedo na esquizofrenia os significados das palavras modificam-se. Estas modificações são às vezes difíceis de serem observadas a menos que se usem métodos especiais, mas podem ser demonstradas. A maneira de compreender este fenômeno encontra-se no estudo do pensamento na criança. Uma criança pensa diferentemente de um adulto; consequentemente, as palavras para ela também têm diferentes conotações em sua estrutura psicológica. A pergunta naturalmente surge:

Se as palavras têm significados diferentes como fazem uma criança e um adulto para compreender um ao outro?

Como um exemplo, ele cita o fato paradoxal estabelecido por Piaget de que crianças da mesma idade e grau de desenvolvimento não compreendem uma a outra assim como o fazem os adultos. Ainda o pensamento dos adultos é governado por leis completamente diferentes daquelas que determinam o pensamento das crianças. Ele ainda completa:



Se o significado das palavras começa a mudar logo cedo no curso do processo esquizofrênico, como esse permanece inobservável, e como é possível para a pessoa normal e a pessoa com esquizofrenia compreenderem um ao outro?


Complexos substituem conceitos no pensamento na esquizofrenia, ainda que coincidam, nos seus relacionamentos com o objeto, com os conceitos que substituem. Há então pseudoconceitos, mas a totalidade da transição às formas mais primitivas de pensamento não é aparente porque o paciente retém sua capacidade para o intercurso verbal, ainda que as palavras não tenham o mesmo significado para ele que têm para nós. Como uma ilustração concreta ele cita suas investigações experimentais a respeito do grau em que pacientes com esquizofrenia no mesmo estágio da doença, e com o mesmo tipo de pensamento, compreendem um ao outro em comparação ao grau de compreensão mútua exibido por um paciente com esquizofrenia e uma pessoa normal. Ele questiona que, se for realmente verdadeiro, como afirma, que na esquizofrenia há uma desintegração dos conceitos com mudanças no significado das palavras, mesmo que isto não seja aparente na superfície, deve haver algumas provas de que estes fenômenos realmente ocorrem. Para ele a prova é simples. Se palavras têm diferentes significados para um paciente com esquizofrenia daqueles que elas têm para nós, então esta diferença deve expressar-se funcionalmente, ou seja, no comportamento dos pacientes. Mesmo que um complexo possa externamente se assemelhar a um conceito, ainda assim tem suas próprias leis de funcionamento. Assim como o pensamento associativo de uma criança se expressa de várias maneiras, deve também o pensamento de um paciente com esquizofrenia revelar sua característica distintiva quando submetido a um teste, isto é, no comportamento efetivo.

Ele usa, então, a expressão metafórica, ou seja, a transferência de termos que denotam originalmente uma coisa à expressão de outra (‘Um navio era o mar’). Ele primeiramente usou este teste em casos de afasia associados com a perda de memória, nos quais também podem ser vistos distúrbios de pensamento categorial (Gelb e Goldstein- psicólogo e neurofisiologista alemão, respectivamente) e de pensamento conceitual. Nesta conexão se pode notar que os distúrbios de pensamento categorial, que Gelb e Goldstein delimitaram como sintoma cardinal na afasia amnésica, foram encontrados também por eles em um paciente que exibia amnésia para várias cores. Quando pedido a este paciente para combinar cores, em vez de combinar objetos de acordo com a cor designada, ele os combinou de acordo com o tamanho, ou de acordo com o valor no brilho da pintura, e somente ocasionalmente de acordo com a cor, manifestando assim o tipo de pensamento por complexos previamente descrito.

Vygotsky encontra em seus pacientes sentidos metafóricos para compreender palavras usadas assim. Eles não podiam reter os significados de palavras das mais simples a menos que eles fossem usados em um sentido direto e literal. Nem poderiam lidar com o teste de Piaget, o qual requer que o sujeito combine um provérbio especificado com outro de significado similar. Para sua surpresa tais falhas ocorreram a despeito de uma aparente preservação da fala e de outras funções intelectuais. Ele depois descobriu, entretanto, que Kurt Schneider (psiquiatra alemão, que estudou a esquizofrenia) também tinha encontrado distúrbios na capacidade de compreender palavras usadas em sentidos metafóricos como sendo uma característica frequente de esquizofrenia. 

O mais notável, segundo Vygotsky, foi que ele encontrou distúrbios na compreensão das palavras usadas figurativamente, mesmo quando não havia nenhum distúrbio aparente da vida intelectual em geral. Esta dificuldade tornou-se muito óbvia quando palavras ou conceitos especiais eram usados. Enquanto a mente normal não tem nenhuma dificuldade em usar palavras dadas figurativa ou metaforicamente, o mesmo problema apresenta uma dificuldade intransponível para o paciente com esquizofrenia, apesar do fato de que reteve da infância o hábito de usar figuras de linguagem, provérbios, etc.. Assim, muitos de seus pacientes não tinham nenhuma dificuldade em ver as ramificações e generalidades mais diversificadas quando lhes era dado o provérbio russo ‘se você vai lentamente você chegará mais longe no final’, mas eles não podiam dar um significado geral quando a tradução russa de um provérbio francês, ‘quando o gato estiver ausente os ratos brincarão’, era dada. Este eles interpretavam em seu sentido estreito, e podiam somente literalmente ver que ratos brincam quando o gato está ausente. Isto é, eles não poderiam ver, em uma situação concretamente descrita, significados outros e mais abstratos do que aqueles diretamente atribuídos mediante palavras particulares usadas para descrevê-la. Este fato serve como uma importante diferenciação entre o pensamento simbólico visual, dos sonhos e o pensamento simbólico metafórico baseado em conceitos. A identificação de um com o outro não tem qualquer base psicológica sólida.

Ele encontrou também um outro fato ilustrando distúrbios de significado em palavras usadas por pacientes com esquizofrenia. Seus experimentos não pararam no estágio do desenvolvimento de conceitos experimentais. Ele estudou a maneira pela qual estes novos conceitos expressam a si mesmos. Assim, os incluiu como uma parte de testes de associação em que as respostas foram cuidadosamente registradas por escrito. Solicitou-se aos sujeitos que fizessem julgamentos que incluíssem tanto os conceitos antigos quanto os formados, e foram encorajados a ampliar a aplicação dos conceitos recentemente formados e a transpô-los do laboratório para a vida cotidiana. Em outras palavras, ele quis traçar tão completamente quanto possível o curso dos conceitos recentemente formados no pensamento dos pacientes. Por fim, ele afirma que foi encontrada uma desintegração latente dos conceitos. Ele encontrou também que os pseudoconceitos que tomaram o lugar dos conceitos verdadeiros eram completamente diferentes deles em comportamento e expressão.

Como um exemplo de pseudoconceitos ele indica o caso do conceito de causalidade em uma criança. A criança começa muito cedo a usar as palavras que denotam relações causais, tais como a palavra “porque”, embora, como mostrou Piaget, o significado dado pela criança a estas palavras difira completamente daquele dado pelo adulto. Uma criança estabelecerá uma conexão causal entre as ideias mais inconsequentes, um fato que conduziu Piaget a falar de um determinado estágio no desenvolvimento da criança como estágio da pré-causalidade. Deve-se ter métodos especiais para demonstrar tais pseudoconceitos porque superficialmente eles podem assemelhar-se a conceitos verdadeiros em sua aparência externa. Segundo as palavras do próprio Vygotsky, pseudoconceitos são lobos em roupa de cordeiro. Eles são associações que se mostram como conceitos. Qualquer um que trabalha com eles descobre rapidamente como perturbam as formas de pensamento conceitual. No intuito de demonstrar isto, entretanto, deve-se considerar outras funções psicológicas. Como um exemplo das mais remotas consequências resultantes do distúrbio da função da formação de conceitos, ele se refere às experiências com percepções e respostas afetivas na esquizofrenia.


Um estudo das percepções de um paciente com esquizofrenia indica que vários objetos de percepção comum de tal paciente facilmente perdem suas características perceptuais comuns. Variações ligeiras na luz ou na posição do objeto apresentam-se nas respostas dos pacientes similares àquelas de pessoas normais aos borrões de tinta sem sentido do Teste de Rorschach. Assim como pessoas normais veem, em tais borrões de tinta, pessoas, paisagens, faces, fadas, também o paciente com esquizofrenia, em sua percepção dos objetos, anexa a eles os mais extraordinários significados se houver a mais ligeira mudança na sua aparência habitual. Ainda, segundo Vygotsky, a chave para a compreensão do fenômeno encontra-se na psicologia genética, que ensina que as percepções categoriais são obtidas através de um complicado processo, no qual perceptos e conceitos são coordenados em novas formas de pensamento visual, os perceptos representando, dessa maneira, um papel subordinado e dependente.

Como um exemplo de tal fusão de concepção no sentido estreito da palavra ele se refere às ilusões, em que não se pode separar o significado do objeto (sombra branca-fantasma). Sabe-se também da psicologia experimental que é impossível sob circunstâncias normais obter percepções absolutas sem associá-las com significados, compreensões e apercepções. É por isto que é tão difícil alcançar percepção em cultura pura, e por isso que os objetos não podem servir todos para nós como os borrões de tinta servem no teste de Rorschach. A percepção é uma parte integral do pensamento visual e é intimamente conectada com os conceitos que vão junto a ela. É por isto que cada percepção é realmente uma apercepção. Mas isto não é verdadeiro para o pensamento por complexos. Com a desintegração dos conceitos e sua regressão a formas mais primitivas de pensamento, todo o relacionamento entre a percepção e a apercepção torna-se alterado de uma maneira que é típica da esquizofrenia. Tal mudança é aproximadamente semelhante aos fenômenos que aparecem na vida afetiva dos pacientes com esquizofrenia. Os fatores significativos, nesses casos, não são o embotamento emocional e o desaparecimento da riqueza e da variedade de expressão emocional, mas a separação destas expressões emocionais dos conceitos com os quais são intimamente associadas.

Sua contribuição reside na demonstração de que o distúrbio da vida emocional é somente parte de um distúrbio mais amplo e fundamental, isto é, um distúrbio no campo da formação de conceitos. Sua postulação é a de que o distúrbio intelectual, tanto quanto os distúrbios nos campos das percepções, emoções e outras funções psicológicas, estão em relação causal direta com o distúrbio das funções da formação de conceitos. Esta hipótese é baseada nos resultados do estudo desenvolvimental do indivíduo, ou seja, baseado em dados ontogenéticos.





Há um erro de interpretação que invariavelmente aparece em toda discussão sobre esquizofrenia, e que ele ressalta, em seu trabalho, que gostaria de reparar. Utilizando a função da formação de conceitos como um ponto de partida da investigação, e concluindo também que ela é o centro ou núcleo psicológico de todo o drama da doença, vê-se ainda que ela não tem nada da etiologia da esquizofrenia. Distúrbios na função da formação de conceitos são o resultado imediato da esquizofrenia, mas não a sua causa. Ele acrescenta que não está de todo inclinado a tratar a esquizofrenia como uma desordem psicogenética. Qualquer que possa ser a causa orgânica da doença, contudo, a psicologia tem um direito de estudar os fenômenos associados com as mudanças na personalidade de um ponto de vista psicológico. A desintegração da personalidade segue certas leis psicológicas, ainda que as causas diretas destes processos possam não ser psicológicas em sua natureza.

Aquilo que lhe interessa nesta teoria é que ela constrói uma ponte sobre o vazio entre a hipótese psicológica e os dados fisiológicos em esquizofrenia. Se se evoca que o propósito e a função biológica das inibições internas, inclusive o sono, consistem na cessação de contatos com o mundo externo, torna-se claro que o autismo, abandono e fechamento do self de alguém à realidade são resultados diretos do estado especial do sistema nervoso central dos pacientes com esquizofrenia. A perda de contato com o mundo exterior assume uma significância biológica. Ela não é o resultado da esquizofrenia, mas uma expressão das forças protetoras do organismo reagindo com inibições internas à debilidade do sistema nervoso central. Se isto é assim, e parece haver toda razão para acreditar que isto é um fato, importantes conclusões podem ser tiradas. Todas as funções psicológicas superiores, inclusive a fala e o pensamento conceitual, são de origem social. Elas emergem como meios de prestar ajuda mútua, e gradualmente tornam-se uma parte do comportamento cotidiano da pessoa. É significativo que em sonhos haja uma cessação de contatos com o self social que forma a fundação da personalidade normal. Isto aparentemente torna-se também a causa de diminuição da capacidade do intelecto no campo dos conceitos; os outros sintomas da esquizofrenia advêm dessa fonte. Em alguma medida, seus dados experimentais, interpretados à luz da psicologia genética, permitem ao mundo científico formular algumas teorias e levantar questionamentos.


Portanto, de acordo com o pensamento de Vygotsky, o discurso interior é uma fase posterior à fala egocêntrica. É quando as palavras passam a ser pensadas, sem que necessariamente sejam faladas. É um pensamento em palavras. Já o pensamento é um plano mais profundo do discurso interior, que tem por função criar conexões e resolver problemas, o que não é, necessariamente, feito em palavras. É algo feito de ideias, que muitas vezes nem conseguimos verbalizar, ou demoramos ainda um tempo para achar as palavras certas para exprimir um pensamento.

O pensamento não coincide de forma exata com os significados das palavras. O pensamento vai além, porque capta as relações entre as palavras de uma forma mais complexa e completa que a gramática faz na linguagem escrita e falada. Para a expressão verbal do pensamento, às vezes é preciso um esforço grande para concentrar todo o conteúdo de uma reflexão em uma frase ou em um discurso. Para pessoas portadoras de esquizofrenia, esse esforço é maior ainda.

Portanto, podemos concluir que o pensamento não se reflete na palavra; realiza-se nela, a medida em que é a linguagem que permite a transmissão do seu pensamento para outra pessoa.

Finalmente, cabe destacar que o pensamento não é o último plano analisável da linguagem. Podemos encontrar um último plano interior: a motivação do pensamento, a esfera motivacional de nossa consciência, que abrange nossas inclinações e necessidades, nossos interesses e impulsos, nossos afetos e emoções. Tudo isso vai refletir imensamente na nossa fala e no nosso pensamento.






Referências:



FREITAS, Neli Klix. Representações mentais, imagens visuais e conhecimento no pensamento de Vygotsky. Ciências e Cognição. v. 06: 109-112, 30 nov. 2005. 


MORATO, Edwiges Maria. Vigotski e a perspectiva enunciativa da relação entre linguagem, cognição e mundo social. Educação & Sociedade, ano XXI, nº 71, julho. 2000. 

TOASSA, Gisele. Emoções e vivências em Vigotski: investigação para uma perspectiva históricocultural. Orientadora Marilene Proença Rebello de Souza. São Paulo, 2009. 348 p. Tese (Doutorado – Programa de PósGraduação em Psicologia. Área de Concentração: Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. 

VERONEZI, Rafaela Júlia Batista; DAMASCENO, Benito Pereira; FERNANDES, Yvens Barbosa. Funções psicológicas superiores: origem social e natureza mediada. Rev. Ciênc. Méd., Campinas, 14(6): 537-541, nov./dez., 2005. 

VYGOTSKY, Lev Semenovich. Thought in schizophrenia. In: VALSINER, J. & VAN DER VEER, R. (eds.) The Vygotsky reader. Oxford, UK; Cambridge USA: Basil Blackwell, 1994. p. 313-326. 

______. A construção do pensamento e da linguagem. Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 

______. Pensamento e linguagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.






4 comentários:

Vivian disse...

Olá,Milena!!

Me interesso muito pela saúde mental também.Gosto de estudar os grandes filósofos e pensadores.Sempre aprendemos mais!
Vou estudar muito Vygotsky, pois faz parte do curriculo da minha faculdade.
Lindo seu blog!
Beijos!

Milena Nicolas disse...

Oi Vivian,

como vai? Fico feliz que tenha gostado do blog!

Qual o curso que você faz?

Espero que volte sempre...

Grande abraço,

Milena

Marineide Dan Ribeiro disse...

Oi filhota, como vai?
Seu blog tá bombando heim?!
Bjusssss

Milena Nicolas disse...

Oi mamis!

Pois é! Você viu?

Graças a você, que está divulgando...obrigada mamis..

Vou postar mais coisas nesse fds..

bju..te amo

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Insanamente louca por tudo que envolve a relação linguagem-cérebro-mente.... Apaixonada esposa de Rafael, estudante do último ano de Medicina e futuro Médico da Família.. Residente em Cuiabá-MT, desde 2007, onde conclui minha graduação em Letras/Inglês, na UFMT, em 2011.. Orgulhosa filha de Marineide Dan Ribeiro, mais conhecida como Márcia ou Grega.. Futura mestranda da UNICAMP/Campinas-SP...

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